domingo, 22 de junho de 2014

Discipulado Bíblico














Agradecemos a Deus por tudo o que tem feito por nós!                                                         
Não sabemos o que se passa na mente dELE com certeza, mas sabemos é que: “...Nenhum de seus planos pode ser impedido” (Jó 42.2). Acreditamos que ELE é que nos “inspira” a “escrever” sobre muitas coisas acerca da sua Palavra. Mas não “como” os “escritores que escreveram sobre (inspiração, revelação e iluminação) à Bíblia Sagrada” e foram só eles que tiveram essa “experiência” dada por Deus.
Hoje também, Deus tem levantado homens (piedosos, sinceros, verdadeiros e tementes) para escreverem “livros, revistas EBD, artigos etc.” Eles Fazem tudo isso é pelo cuidado que tem com a Igreja de Cristo. Poderíamos até citar nomes como: “Antônio Gilberto, Geremias do Couto, Ciro Sanches Zibord, Elienai Cabral, Altair Germano, Elinaldo Renovato, Ezequias Soares, Claudionor de Andrade, Severino Pedro da Silva, Wagner Gaby, Carlos Roberto Silva, Gutierres Siqueira, Elias Soares de Moraes etc.” Todos levando um conteúdo consistente para aqueles que precisam de um estudo um esclarecimento mais detalhado sobre a Teologia Bíblica.
Semelhantemente nós produzimos  um estudo de “discipulado” concernente ao novo convertido, e  a todos que queiram se aprofundar no estudo Cristão. Mediante isto, mostramos a nossa posição Bíblico-Teológica para os leitores da mesma. .   



Que Deus abençoe todos vocês!

Prof.;  Euler Lopes







sábado, 12 de abril de 2014

Os dias da Criação foram literais de 24 horas ou não?





Estamos apresentando mais um assunto que é de suma importância, para todos os seminaristas. Afinal de contas os dias da criação foram de 24 horas ou foram mais do que isso? Qual é a sua opinião a respeito desse assunto?



GÊNESIS 2:1 - Como o mundo pôde ser criado em seis dias?

PROBLEMA: A Bíblia diz que Deus criou o mundo em seis dias (Êx 20:11).
Mas a ciência moderna declara que isso levou bilhões de anos. As duas posições não podem ser verdadeiras.

SOLUÇÃO: Há basicamente duas maneiras para superar esta dificuldade.
Primeiro, alguns eruditos argumentam que a ciência moderna não está certa.
Insistem em dizer que o universo tem apenas alguns milhares de anos e que
Deus criou todas as coisas em seis dias literais (6 dias de 24 horas, ou seja, 144
horas). Para sustentar esta posição, eles apresentam os seguintes pontos:

1. Cada dia do Gênesis tem "tarde e manhã" (cf. Gn 1:5,8,19,23,31), o que é próprio do dia de 24 horas na Bíblia.
2. Os dias foram numerados (primeiro dia, segundo dia, terceiro dia etc),
uma característica peculiar dos dias de 24 horas na Bíblia.
3. Êxodo 20: 11 compara os seis dias da criação com os seis dias de uma
semana (literal) de trabalho de 144 horas.
4. Há evidência científica que suporta uma idade jovem (de milhares de anos) para a Terra.
5. Não haveria como a vida sobreviver milhões de anos do dia três (1; 11) ao
dia quatro (1:14) sem lua.

Outros eruditos da Bíblia afirmam que o universo pode ter bilhões de anos, sem que com isso se esteja sacrificando um entendimento literal de Gênesis 1 e 2. Argumentam que:

1. Os dias de Gênesis 1 podem ter tido um período de tempo antes da
contagem dos dias (antes de Gênesis 1:3), ou um intervalo de tempo entre os
dias. Há intervalos em outras partes da Bíblia (como em Mateus 1:8, onde três
gerações são omitidas, em comparação com 1 Crônicas 3:11-14).

2. A mesma palavra hebraica para "dia" (yom) é empregada em Gênesis 1 e 2
como um período de tempo maior que 24 horas. Por exemplo, Gênesis 2:4 faz
uso desta palavra no sentido do período total da criação de seis dias.

3. Às vezes a Bíblia emprega a palavra "dia" para longos períodos de tempo:
"Um dia é como mil anos" (2 Pe 3:8; cf. SI 90:4).
4. Há alguns indícios em Gênesis 1 e 2 de que os dias poderiam ser períodos
maiores que 24 horas:
a) No terceiro "dia" as árvores cresceram da semente à maturidade, e
produziram semente segundo a sua espécie (1:11-12). Esse processo
normalmente leva meses ou anos.
b) No sexto "dia" Adão foi criado, foi dormir, deu nome a todos os
(milhares de) animais, procurou por companhia, foi dormir, e Eva foi criada
de sua costela. Tudo isso parece exigir um tempo bem maior que 24 horas.
c) A Bíblia diz que Deus "descansou" no sétimo dia (2:2), e que ele ainda está no seu descanso da criação (Hb 4:4). Assim, o sétimo dia já tem tido uma
duração de milhares de anos. Dessa forma, os outros dias bem que
poderiam ter tido milhares de anos também.

5. Êxodo 20:11 pode estar fazendo simplesmente uma comparação de
unidade por unidade dos dias de Gênesis com uma semana de trabalho (de
144 horas), e não uma comparação minuto a minuto.
Conclusão: Não se demonstra contradição alguma em fatos, entre Gênesis 1 e
a ciência. Há apenas um conflito de interpretações. Ou os cientistas de hoje
em sua maioria estão errados ao insistirem que o mundo tem bilhões de anos,
ou então alguns dos intérpretes da Bíblia estão equivocados ao insistirem em
dizer que foram apenas 144 horas que durou a criação, ocorrida alguns
milhares de anos antes de Cristo, sem intervalos de tempo correspondentes a
milhões de anos. Mas, em qualquer dos casos, não se trata de uma questão de
inspiração das Escrituras, mas de sua interpretação (em relação a dados científicos).


Bibliografia: MANUAL POPULAR de Dúvidas, Enigmas e "Contradições" da Bíblia de Norman Geisler - Thomas Howe.



Prof; Euler Lopes.

sexta-feira, 14 de março de 2014

A Interpretação Bíblica




Proposito Deste Trabalho




O Presente estudo visa os estudantes de teologia bíblica e, também irmãos que desejam ter uma compreensão mais profunda dos “Textos Sagrados”. Existe um número considerável de pessoas, que sentem dificuldade em interpretar o texto bíblico. Por causa dessa demanda, venho por meio deste, explicar as — Regras básicas de interpretação bíblica. Espero que seja bem proveitoso e compreensível aos leitores desse estudo.

Esse trabalho nasceu há alguns anos, quando me deparei com algumas dificuldades dentro da própria Igreja. Dificuldade esta, que tem levado a deterioração da interpretação bíblica.
 Quando me refiro a Igreja, não me refiro somente à denominação aonde congrego mais outras que tenho passado. Muitas das vezes nossos obreiros, não são tão preparados quanto deveria. Paulo nos recomenda em 2 Tm 2.15 que sejamos pessoas “que maneja bem a Palavra da Verdade”, mas a realidade que eles estão enfrentando, torna-os  menos preparados. Existem obreiros que não tem recurso para pagar um curso de teologia, e não devemos fechar os olhos para isso.
Em suma, tem pessoa que sentem dificuldade em: ler, escrever, entender, pesquisar e, uma série de outras coisas que tem os levado a acreditar que não são capazes de alcançar algo maior em seu ministério.
Também, existem aqueles que não têm nenhum problema quanto a esta listagem acima. São amigos que, dizem; “O Espírito Santo vai me revelar tudo, não preciso me preparar em estudar...”. Será mesmo verdade...! Tenho minhas dúvidas.
É por isso que esse projeto vem ajudar, todos aqueles que não têm recurso para pagar um curso de teologia por ser um valor alto. Mas eles têm como nos ajudar em nosso projeto, abençoando e sendo abençoado.



Introdução á Hermenêutica

A Hermenêutica é uma ciência que todo pregador e ensinador da Bíblia deva conhecer. Os estudos dentro da área teológica, sistemática, dogmática, prática, contemporânea, incluem também o estudo da teologia exegética, que trata da reta interpretação das Sagradas Escrituras para o sentido que o autor quis atribuir ao texto sagrado. 
A hermenêutica se define como a Arte de interpretar e explicar textos. 
A palavra hermenêutica (ερμηνευτική) vem do verbo grego hermeneuein (ερμηνευειν) e significa interpretar ou traduzir (usado quatro vezes no Novo testamento sempre com a ideia de “tradução” João 1.38,42; João 9.7 e hebreus 7.2 para a forma verbal; e 1Co. 12,10; 14.26 para a forma nominal), Platão usou a palavra como forma de “explicar”. Se crermos que cada palavra em hebraico e também em grego fora Inspirada por Deus nos manuscritos originais, então é importante a correta interpretação dessas palavras.

Aprofunde-se mais um pouco!

No Antigo Testamento acham-se termos correspondentes ao grego hermeneuein; entre eles: tirgen(תֻרְגָּ֥ם) cujo significado é
“interpretar ou traduzir” (Ed 4.7),( pesher, p ̂eshar, פשר traduzido por “solução ou interpretação geral”), e o vocábulo hawâ, isto é, “ interpretar, informar, contar”. 
O hermeneuta segundo o étimo é um interprete ou tradutor de qualquer porção literária, quer sacra, quer  profana. Mas no nosso caso é a Bíblia Sagrada!
O termo grego hermeios referia-se, originalmente ao sacerdote do oráculo de Delfos, que era responsável pela interpretação dos desejos dos deuses aos seus consultores. Na cultura pagã, os romanos possuíam uma espécie de “profeta da salvação”, que era um especialista oficial encarregado da interpretação dos sinais celestes, como por exemplo, o voo das aves, e os sacerdotes, adivinhos que estudavam as entranhas das vitimas sacrificada e procuravam assim, presságios favoráveis ou contrários.
O étimo do verbo hermeneuein  (ερμηνευειν)  e do substantivo hermeneia         (ερμηνεια), no entanto remetem para o deus mensageiro-alado Hermes, de cujo nome as palavras aparentemente derivam, ou vice versa.                                                                                                                            
Hermes segundo a mitologia greco-romana era filho de Zeus e de Maia, sendo o arauto o mensageiro dos deuses. Era também considerado o deus da ciência, da interpretação e eloquência. Nas escrituras neotestamentárias a cultura pagã romana o chamava de Mercúrio (At 14.12). Porem no texto original grego aparece o substantivo próprio Hermes ( Ερμης) em vez de Mercúrio.                                                                                  
No texto de At 14.12, Hermes aparece com a oração explicativa, “porque era este o principal portador da palavra” (ARA). Os gregos atribuíam a Hermes a descoberta da linguagem e da escrita — as ferramentas que a compreensão humana utiliza para chegar ao significado das coisas e para transmitir aos outros.
Hermes se associa a função de transmutação — transformar tudo aquilo que ultrapassa a compreensão humana em algo que essa inteligência consiga compreender. As várias formas da palavra sugere o processo de trazer uma situação ou uma coisa da ininteligibilidade à compreensão.                                                                                                                       
Quando Felipe (At 8.26-40) foi conduzido pelo Espirito Santo ao encontro do oficial etíope pergunto-lhe: “Compreendes o que vens lendo?” (ARA). Seu objetivo era levar ao etíope a compreensão do texto, decodificar o incógnito significado ao seu leitor. Sócrates afirma que os poetas são “eisin ho hermeneus ton theo” ou seja “são os interprete de deus”.  A função de Felipe, sobre a ótica helênica, confunde-se a de um mensageiro divino incumbido de ser portador de uma mensagem divina e torná-la compreensível, tanto narrando quanto explicando.
Ao utilizar a hermenêutica na interpretação da Bíblia, é preciso conhecer alguns problemas que serão enfrentados. Isso ocorre porque ela se relaciona diretamente com outras áreas do estudo Bíblico, entre esses estão: o cânon, a crítica textual e histórica, a exegese, a teologia sistemática e Bíblica.

Também há alguns problemas:

Cronológico: está relacionado ao fato da Bíblia ter sido escrita há muito tempo atrás. O primeiro livro foi escrito aproximadamente há 3.400 anos e o último em torno de 2.000 anos;
 Geográfico: influencia pelo fato que a maioria dos leitores está longe demais de onde os fatos ocorreram. Sem contar que quase tudo mudou ou tudo realmente mudou.
 Cultural: a maior parte da cultura mudou, além de ser muito diferente a forma de pensar e agir hoje em dia;
 Linguístico: como já se sabe, a Bíblia foi escrita nas línguas: hebraica, aramaica (Ed 4.8; 6.18; 7.12-26; Jr 10.11; e Dn 2.4 – 7.28) e grega. Estas contêm muitos detalhes importantes e ricos para um conhecimento mais detalhado em relação à
Bíblia. Entretanto, foi por causa dessas línguas e das mudanças naturais, que surgiram os problemas em relação às interpretações textuais, conforme consta nos melhores manuscritos encontrados;
 Literário: as diferenças contidas nos estilos de escritos utilizados nos tempos bíblicos com os de hoje são enormes. Um bom exemplo é o fato do NT utilizar muitas parábolas, enquanto que no AT utiliza muitos provérbios e salmos, entre outros estilos.
O importante é que o estudante da Bíblia saiba que para estudá-la é preciso ter bom senso, paciência, disposição e dedicação ao analisar os textos.
Antes de começar a estudar a hermenêutica e suas técnicas é preciso lembrar que o livro a ser estudado é a Bíblia. Esta por sua vez é fruto da revelação de Deus ao homem.

Primeira Regra
É preciso, o quanto seja possível, tomar as palavras em seu sentido usual e comum.  
Como já dissemos, os escritores das Sagradas Escrituras escreveram, naturalmente, com o objetivo de se fazerem compreender. E, por conseguinte, deveriam valer-se de palavras conhecidas e deveriam usá-las no sentido que geralmente tinham. Averiguar e determinar qual seja este sentido usual e ordinário deve constituir, portanto, o primeiro cuidado na interpretação ou correta compreensão das Escrituras.
Exemplos: Em Gênesis 6:12, lemos: "Porque toda carne havia corrompido o seu caminho sobre a terra" (versão revista e corrigida). Tomando aqui as palavras carne e caminho em sentido literal, o texto perde o significado por completo. Porém tomando em seu sentido comum, usando-se como figuras, isto é, carne em sentido de pessoa e caminho no sentido de costumes, modo de proceder ou religião, já não só tem significado, mas um significado terminante, dizendo-nos que toda pessoa havia corrompido seus costumes.
"Qual é a mulher que, tendo dez dracmas, se perder uma, não acende a candeia, varre a casa e a procura diligentemente até encontrá-la?" Neste versículo, tomado ao pé da letra, embora nos apresente uma pergunta interessante, estamos longe de compreender a verdade que encerra. Porém, sabendo que contam uma parábola, cujas partes principais e figuradas requerem interpretação e designam realidades correspondentes às figuras, não vemos aqui já agora uma pergunta interessante, mas uma mulher que representa a Cristo; um trabalho diligente que representa um trabalho semelhante que Cristo está levando a cabo; e uma moeda perdida representa o homem perdido no pecado; tudo isto expondo e ilustrando admiravelmente a mesma verdade que expressa Cristo sem parábola, dizendo: "Porque o Filho do homem veio buscar e salvar o perdido" (Luc. 19:10).

Segunda Regra
É de todo necessário tomar as palavras no sentido que indica o conjunto da frase.
Na linguagem bíblica, como em outra qualquer, existem palavras que variam muito em seu significado, segundo o sentido da frase ou argumento em que ocorrem. Importa, pois, averiguar e determinar sempre qual seja o pensamento especial que o escritor se propõe expressar, e assim, tomando por guia este pensamento, poder-se-á determinar o sentido positivo da palavra que apresenta dificuldade.
Exemplos: : A palavra fé, ordinariamente significa confiança; mas também tem outras acepções. Lemos de Paulo, por exemplo: "Agora prega a fé que outrora procurava destruir" (Gál. 1:23). Do conjunto desta frase vimos claramente que a fé, aqui, significa crença, ou seja, a doutrina do Evangelho.
"Mas aquele que tem dúvidas, é condenado, se comer, porque o que faz não provem de fé; e tudo o que não provam de fé é pecado" (Rom. 14:23). Pelo conjunto do versículo, e tudo considerado, verificamos que a palavra aqui ocorre no sentido de convicção; convicção do dever cristão para com os irmãos.
Salvação, Salvar: Estas palavras são usadas freqüentemente no sentido de salvação do pecado com suas conseqüências; têm, porém, outros significados. Lemos, por exemplo, que "Moisés cuidava que seus irmãos entenderiam que Deus os queria salvar, por intermédio dele" (Atos 7:25). Guiados pelo conjunto do versículo, compreendemos que aqui ocorre a palavra salvar no sentido de liberdade temporal

Terceira Regra
É necessário tomar as palavras no sentido indicado no contexto, a saber, os versículos que precedem e seguem ao texto que se estuda.
Às vezes sucede que não basta o conjunto de uma frase para determinar qual é o verdadeiro significado de certas palavras. Portanto, e em tal caso, devemos começar mais acima a leitura e continuá-la até mais abaixo, para levar em conta o que precede a segue à expressão obscura e, procedendo assim, encontrar-se-á clareza no contexto por diferentes circunstâncias.

Exemplos: No contexto achamos expressões, versículos ou exemplos que nos esclarecem e definem o significado da palavra obscura. Ao dizer Paulo: "quando lerdes, podeis compreender o meu discernimento no mistério de Cristo" (Ef. 3:4), ficamos um tanto indecisos com respeito ao verdadeiro significado da palavra mistério. Porém, pelos versículos anteriores e posteriores, verificamos que a palavra mistério se aplica aqui à participação dos gentios nos benefícios do Evangelho. Encontra-se a mesma palavra em sentido diferente em outras passagens, sendo necessário, em cada caso, o contexto para determinar o significado exato.
"Quando éramos menores, estávamos servilmente sujeitos aos rudimentos do mundo" (Gál. 4:3, 9-11). Que são os rudimentos do mundo? O que vem depois da palavra nos explica que são práticas de costumes judaicos.
Este vocábulo também é usado noutro sentido, determinando o contexto sua correta interpretação
"O salário do pecado é a morte", diz o apóstolo Paulo. O sentido profundo desta expressão faz ressaltar de uma maneira viva a expressão oposta que a segue: "mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna" (Rom. 6:23).

Quarta Regra
É preciso tomar em consideração o objetivo ou desígnio do livro ou passagem em que ocorrem as palavras ou expressões obscuras.
Lemos em 1 João 3:9: "Todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática do pecado... esse não pode viver pecando." Quererá o apóstolo aqui dizer que o cristão é absolutamente incapaz de cometer uma falta? Não, porque o próprio objetivo de sua carta é o de prevenir para que não pequem, com o que está admitida a possibilidade de poder cair em falta. Como, pois, compreender que os nascidos de Deus não podem pecar? Neste caso também nos apresenta luz a consideração detida do desígnio da carta. Pelas Escrituras vemos que nos fins do século apostólico existiam certos pretensos cristãos enganados que criam poder praticar toda sorte de excessos carnais, sem respeitar lei alguma. Um dos desígnios da carta é, evidentemente, prevenir os filhos de Deus contra esse mau tipo de crenças. Diz João que, contrariamente a esses "filhos do diabo" que por natureza cometem pecado, os "filhos de Deus" não podem viver pecando. Cada um se ocupa nas obras do pai: os filhos de Deus se ocupam em manifestar seu amor a Deus, guardando seus mandamentos (5:2); os filhos do diabo se ocupam em imitar a seu pai, que está pecando desde o princípio.
Uns praticam o pecado, os outros não o praticam desde o momento em que nasceram de Deus. Opondo-se a esses dissolutos filhos do diabo, que acreditavam poder pecar e naturalmente com gosto pecavam, afirma João que os nascidos de Deus, pelo contrário, tendo repugnância e ódio ao pecado, não podem pecar; significa, não podem praticar o pecado, ou continuar pecando, como indica o texto original. Pela razão de haverem nascido de Deus, e aspirando, como aspiram, à perfeição moral completa, é contra sua nova natureza praticar o pecado: não podem continuar pecando; o que supostamente não impede que sejam exortados a guardar-se do mal, desde o momento que não estão fora da possibilidade de pecar.

Quinta Regra
É necessário consultar as passagens paralelas, "explicando cousas espirituais pelas espirituais" (1 Cor. 2:13).                                                                                     
Com passagens paralelas entendemos aqui as que fazem referência uma à outra, que tenham entre si alguma relação, ou tratem de um modo ou outro de um mesmo assunto.
Neste estudo importante convém observar que há paralelos de palavras, paralelos de idéias e paralelos de ensinos gerais.

Paralelos de palavras
Exemplos:  Em Gálatas 6:17, diz Paulo: "Trago no corpo as marcas de Jesus." Que eram essas marcas? Nem o conjunto da frase, nem o contexto no-lo explica. Iremos, pois, às passagens paralelas. Em 2 Cor. 4:10, encontramos em primeiro lugar, que Paulo usa a expressão "levando sempre no corpo o morrer de Jesus", falando da cruel perseguição que continuamente Cristo padecia, o que nos indica que essas marcas se relacionam com a perseguição que sofria. Porém ainda mais luz alcançamos mediante 2 Cor. 11:23, 25, onde o apóstolo afirma que foi açoitado cinco vezes (com golpes de couro) e três vezes com varas; suplícios tão cruéis que, se não deixavam o paciente morto, causavam marcas no corpo que duravam por toda a vida. Consultando, assim, os paralelos, aprendemos que as marcas que Paulo trazia no corpo não eram chagas ou sinais da cruz milagrosa ou artificialmente produzidas, como alguns pretendem, porém marcas ou sinais dos suplícios sofridos pelo Evangelho de Cristo.

Paralelos de idéias
Para conseguir idéia completa e exata do que ensina a Escritura neste ou naquele texto determinado, talvez obscuro ou discutível, consultam-se não só as palavras paralelas, mas os ensinos, as narrativas e fatos contidos em textos ou passagens esclarecedoras que se relacionem com o dito texto obscuro ou discutível. Tais textos ou passagens chamam-se paralelos de idéias.
Exemplos:  Ao instituir Jesus a ceia, deu o cálice aos discípulos, dizendo: "Bebei dele todos." Significa isto que só os ministros da religião devem participar do vinho na ceia com exclusão da congregação? Que idéia nos proporcionam os paralelos?
Em 1 Coríntios 11:22-29, nada menos que seis versículos consecutivos nos apresentam o "comer do pão e beber do vinho" como fatos inseparáveis na ceia, destinando os elementos a todos os membros da igreja sem distinção. Invenção humana, destituída de fundamento bíblico é, pois, o participarem uns do pão e outros do vinho na comunhão.

Paralelos de ensinos gerais
Para a aclaração e correta interpretação de determinadas passagens não são suficientes os paralelos de palavras e idéias; é preciso recorrer ao teor geral, ou seja, aos ensinos gerais das Escrituras. Temos indicações deste tipo de paralelos na própria Bíblia, sob as expressões de ensinar conforme as Escrituras, de ser anunciada tal ou qual coisa por boca de todos os profetas, e de usarem os profetas (ou pregadores) seu dom conforme a medida da fé, isto é, segundo a analogia ou regra da doutrina revelada. (1 Cor. 15:3, 14; Atos 3:18; Rom. 12:6.)
Exemplos: Diz a Escritura: "O homem é justificado pela fé sem as obras de lei." Ora, se desta circunstância alguém tira em conseqüência o ensino de que o homem de fé fica livre das obrigações de viver uma vida santa e de conformidade com os preceitos divinos, comete um erro, ainda quando consulte um texto paralelo. É preciso consultar o teor ou doutrina geral da Escritura que trata do assunto; feito isso, observa-se que essa interpretação é falsa por contrariar por inteiro o espírito ou desígnio do Evangelho, que em todas as partes previnem os crentes contra o pecado, exortando-os à pureza e à santidade.
Segundo o teor ou ensino geral das Escrituras, Deus é um espírito onipotente, puríssimo, santíssimo, conhecedor de todas as cousas e em todas as partes presente, coisa que positivamente consta numa multidão de passagens. Pois bem, há textos que, aparentemente, nos apresentam a Deus como ser humano, limitando-o a tempo ou lugar, diminuindo em algum sentido sua pureza ou santidade, seu poder ou sabedoria; tais textos devem ser interpretados à luz de ditos ensinos gerais.
O fato de haver textos que à primeira vista não parecem harmonizar com esse teor das Escrituras, deve-se à linguagem figurada da Bíblia e à incapacidade da mente humana de abraçar a verdade divina em sua totalidade.
Ao dizerem as Escrituras: "O Senhor fez todas as coisas para determinados fins, e até o perverso para o dia da calamidade" (Prov. 16:4), quererão aqui ensinar que Deus criou o ímpio para condená-lo, como alguns interpretam o texto? Certamente que não; porque, segundo o teor das Escrituras, em numerosas passagens, Deus não quer a morte do ímpio, não quer que ninguém pereça, mas que todos se arrependam. E, portanto, o significado da última parte do texto deve ser que o Criador de todas as coisas, no dia mau, saberá valer-se inclusive do ímpio para levar a cabo seus adoráveis desígnios. Quantas vezes, pela divina providência, não tiveram de servir os perversos qual açoite e praga a outros, castigando-se a si mesmos ao mesmo tempo!

O estudo da hermenêutica é de valor inestimável para todos os estudantes de Teologia Bíblica. O presente estudo estar em forma resumida, somente para conhecer a noção das REGRAS DA HERMENÊUTICA BÍBLICA.

Até a próxima postagem! 



Prof; Euler Lopes
  


sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Evangelho segundo João



 Esse comentário é para os nossos alunos do seminário de teologia, e também para pessoas que querem estudar a bíblia pessoalmente e ter um bom conhecimento acerca dela. Que seja bem proveitoso  esse estudo sobre o Evangelho de João!


Evangelho segundo João


QUESTÕES INTRODUTÓRIAS INTRODUÇÃO

I – Quem escreveu esse livro sobre Jesus?
Ao lermos juntos o evangelho segundo João, uma questão crucial aparece: Quem escreveu esse livro sobre Jesus? Será que foi João, filho de Zebedeu, ou seja, um discípulo e testemunha ocular? Durante séculos era convicção indubitável da igreja de Jesus que esse evangelho era obra do apóstolo João. Depois, porém, manifestaram-se dúvidas a respeito dessa certeza, a começar pelo teólogo inglês Evanson, em 1792, que atribuiu o evangelho de João a um filósofo platônico do séc. II. Desde então a controvérsia sobre a ―autenticidade‖ de nosso evangelho não se acalmou mais. Não podemos expor aqui essa controvérsia em toda a sua amplitude, porém temos de fornecer ao leitor uma introdução às questões. Afinal, leremos o evangelho de maneira muito diferente se estivermos convictos de que é o apóstolo João que está falando a nós do que se tivermos de supor que um homem desconhecido da 2ª ou 3ª geração estaria nos apresentando sua concepção sobre Jesus na forma de um evangelho.
Em primeiro lugar cabe-nos ouvir:

1 – O que o próprio evangelho afirma sobre seu autor.
a – Enquanto o estilo epistolar da época fazia com que os autores das cartas do NT – uma significativa exceção é justamente 1João – se apresentassem nominalmente no início de suas missivas, falta o nome do autor em todos os evangelhos, também no de Lucas. Contudo, sendo ―autor erudito‖, Lucas pelo menos expressou num prefácio algo a respeito de si mesmo e de seu trabalho. Em João (assim como em Mateus e Marcos) falta qualquer afirmação direta sobre a identidade do autor.
b – Embora nosso evangelho não tenha um ―prefácio‖, ele traz um pós-escrito no capítulo 21. Esse capítulo 21 descreve acontecimentos pascais que não aconteceram em Jerusalém, mas na Galiléia. Faz parte deles também o diálogo do Ressuscitado com seu discípulo Pedro (vs. 15-19). Em seguida a esse diálogo consta: ―Então Pedro, voltando-se, viu que também o ia seguindo o discípulo a quem Jesus amava, o qual na ceia se reclinara sobre o peito de Jesus, e perguntara: Senhor, quem é o traidor?‖ (v. 20). E agora um grupo de pessoas, que não conhecemos mais detalhadamente, atesta: ―Este é o discípulo que dá testemunho a respeito destas coisas e que as escreveu; e sabemos que seu testemunho é verdadeiro‖ (v. 24). Essa informação declara um fato decisivo. Nosso evangelho foi escrito pelo ―discípulo a quem Jesus amava‖. Esse discípulo tem de ser um dos doze apóstolos, uma vez que somente eles estiveram presentes na última ceia de Jesus. Em todos os casos, aquilo que leremos em conjunto é proveniente de uma testemunha ocular, de um homem do círculo de discípulos mais próximos, o qual gozava de uma intimidade especial com o Senhor.
c – Será que podemos definir com mais precisão quem era esse homem do círculo dos Doze? O discípulo, a quem se refere o atestado do pós-escrito, aparece aqui, como também em Jo 20.2ss, diretamente em companhia de Pedro. Em Atos dos Apóstolos, porém, João aparece ao lado de Pedro (At 3.1; 4.13). Do mesmo modo, Paulo em Gl 2.9, considera João, ao lado de Pedro, uma ―coluna‖ na igreja primitiva. Portanto, se nosso evangelho apresenta um ―discípulo a quem Jesus amava‖ nessa ligação com Pedro (também na cena de Jo 13.23s), todo leitor do evangelho precisa ver nele o apóstolo João.
d – Contudo, não seria possível que esse ―discípulo a quem Jesus amava‖ fosse uma figura livremente inventada, simbólica, do ―discípulo verdadeiro‖? Com certeza o seria se ele ocorresse no evangelho apenas de uma forma simbólica genérica. Todavia, no evangelho são atribuídas ações bem concretas justamente a esse ―discípulo‖. Visivelmente o texto refere-se um homem bem concreto do círculo dos apóstolos. W. Michaelis aponta para uma realidade singularmente importante: ―O relato sobre a última ceia, no qual foi inserido Jo 13.23ss, faz parte do acervo consolidado da tradição sinótica. Isso significa que a totalidade do cristianismo da época em que surgiu o evangelho de João sabia que a última ceia de Jesus com seus discípulos representava um fato histórico, e que igualmente sabia quem esteve presente naquela ocasião. Diante desses leitores, que autor poderia ousar inserir uma figura ideal fictícia num relato sobre a última ceia? Sim, que autor daquele tempo teria sido capaz de até mesmo imaginar isto? Essa saída parece ser a pior de todas as soluções possíveis.‖
e – Acrescenta-se mais uma constatação. Nosso evangelho não é parcimonioso no uso dos nomes de apóstolos. Simão Pedro, André, Filipe, Natanael e Tomé são mencionados várias vezes. Somente João e Tiago jamais aparecem no evangelho citados pelo nome! Isso somente é compreensível se o próprio João for o autor, que tem receio de falar de si mesmo citando expressamente o próprio nome. No entanto, quem reconheceu João no ―discípulo a quem Jesus amava‖ – e os primeiros leitores do evangelho tinham de chegar a essa conclusão de maneira muito mais direta que nós hoje – esse também compreenderá a maneira delicada com que João fala de si no evangelho e sugere sua própria conversão no cap. 1.
f – Por fim, não se pode menosprezar também a asserção logo no início do evangelho: ―Vimos a sua glória‖ (Jo 1.14). Nada dá a entender que o autor tivesse a intenção de que esse ―ver‖ deveria ser entendido somente como um ―ver intelectual‖, o qual ele partilha com todos os cristãos. Essa hipótese é até excluída por 1Jo 1.1, onde a mesma testemunha conta que, além de ―ouvir‖ e ―ver‖ a Jesus, até o ―apalpou com suas mãos‖. Considerando que em Jo 20.29 ele imagina expressamente cristãos que ―não viram, e creram‖, não é cabível que o destaque do próprio ver do autor em Jo 1.14 seja diminuído e esvaziado.
g – Não há dúvida de que o autor desse evangelho expressa de maneira reservada, porém muito clara, que ele é João, o discípulo e apóstolo, o filho de Zebedeu.
Por conseqüência, qualquer negação da autoria de João levanta necessariamente uma grave acusação contra o autor e os editores deste evangelho. O autor desconhecido, com um método que tão somente mereceria o adjetivo de astuto, teria tentado criar em seus leitores a impressão de ser o apóstolo João. E o grupo de editores do cap. 21 ainda daria cobertura a essa ilusão, com a expressa asserção da veracidade do evangelista, reforçando assim conscientemente a ilusão dos leitores de que eles estariam lidando com o discípulo João. Uma acusação dessas contra o autor e os editores do evangelho segundo João teria de ser alicerçada sobre razões incontestáveis que demonstrem de modo irrefutável que o apóstolo João não pode ser o autor do evangelho. Será que existem essas razões?
O fato de que elas realmente não podem existir já decorre da circunstância de que pesquisadores como F. Godet, T. Zahn, A. Schlatter e outros estão convictos de que o apóstolo João é o autor desse evangelho. Diante de provas realmente inequívocas a favor da não-autenticidade do evangelho de João eles também teriam de se curvar.

2 – O que acontece com a atestação eclesiástica do evangelho de João?
Abordemos, porém, mais de perto as perguntas e constatemos inicialmente o que acontece com a atestação eclesiástica do evangelho de João.
a – A notícia direta mais antiga sobre o surgimento do evangelho de João ocorre em Ireneu, o mais importante pai apostólico da igreja antiga. Ireneu é oriundo da Ásia Menor e em 178 d.C. tornou-se bispo de Leão, no Sul da França. Em sua obra principal ―Contra as Heresias‖ ele declara que João, o apóstolo, teria vivido na Ásia Menor até a época de Trajano (98-117 d.C.). ―Depois (após os sinóticos) também João, o discípulo do Senhor, que também se reclinara sobre o seu peito, por sua vez publicou um evangelho, enquanto vivia em Éfeso na Ásia Menor.‖ Esse evangelho seria dirigido especialmente contra o gnóstico Querinto, contemporâneo do apóstolo, e contra os nicolaítas.
De onde Ireneu obteve seu conhecimento? Ele se apóia no bispo Policarpo de Esmirna, que aos 86 anos morreu como mártir, em 155 ou 166. Ireneu conheceu Policarpo em vida. Não somente se recorda de que Policarpo mencionou João e outros discípulos de Jesus, mas ainda se recorda de detalhes do que Policarpo ouviu de João a respeito de Jesus, de seus milagres e seu ensino.
Logo a notícia de Ireneu sobre João e seus escritos possui um fundamento sólido. Ela se alicerça sobre as informações de uma pessoa que ainda manteve contato pessoal com o apóstolo João.
b – Acontece que a esse testemunho de Ireneu contrapõe-se uma declaração de Papias, citada por Eusébio em sua História Eclesiástica (III,39), em um prefácio à obra sobre as ―palavras do Senhor‖. O que chama atenção no comentário de Papias é que cita duas vezes um ―João‖. Uma vez ele aparece numa lista dos apóstolos conhecidos. Depois é mencionado um ―velho João‖ ao lado de um Aristião, do qual não temos outras informações. Portanto, será que houve dois homens com o nome de João, que eram conhecidos dos informantes de Papias, dos quais Papias podia obter notícias seguras sobre Jesus?
Muitos pesquisadores responderam afirmativamente a essa pergunta. Por isso fazem a distinção entre um ―presbítero‖ João e o ―apóstolo‖ e filho de Zebedeu. Conseqüentemente, pensam que deve ter sido esse ―presbítero João‖ que viveu em Éfeso, em idade avançada, nos dias de Trajano, redigindo o evangelho. Por razões compreensíveis, ele rapidamente teria sido confundido com o conhecido apóstolo João, ao qual teria sido atribuído tudo o que na verdade apenas poderia ter valido para o ―presbítero‖.
Contudo, mesmo que essa suposição fosse correta, não ficaria solucionada a verdadeira dificuldade, por causa da qual o presbítero João foi saudado com certo alívio como autor desse evangelho. Pois o problema não reside tanto na afirmação de que justamente o filho de Zebedeu teria escrito o evangelho segundo João, mas sim no fato de que o autor teria sido discípulo e testemunha ocular. E justamente isso não muda se o segundo João for o autor do evangelho, pois esse nem é um ―presbítero‖. Em Papias, o termo grego ―presbýteros‖ não designa um cargo eclesiástico, mas a participação na primeira geração que ainda conheceu o próprio Senhor. ―Quando, porém, chegava de viagem alguém que tinha seguido aos velhos (aos ―presbýteroi‖), sempre indaguei pelas palavras dos velhos (―presbýteroi‖), o que André ou Pedro afirmaram ou o que Filipe ou Tomé ou Tiago ou João ou Mateus ou qualquer outro dos discípulos do Senhor disseram.‖ É exatamente dessa maneira que esse segundo João é chamado de ―o velho‖ (―presbýteros‖). Logo, também ele faz parte da primeira geração. Por isso ele também é designado, da mesma maneira que André, Pedro, etc., como ―discípulo do Senhor‖. Portanto ele andou, como André, Pedro e os demais, com Jesus e é testemunha ocular e ouvinte direto. Somente por isso é que os informantes de Papias podem dar valor ao que ele ―diz‖, e equipará-lo com o que André, Pedro, etc. ―disseram‖. Em outras palavras: Ainda que tenha existido esse segundo João e que ele tenha redigido o evangelho, esse livro foi composto por uma pessoa da primeira geração, por um discípulo e testemunha ocular. A ―questão joanina‖ de forma alguma recebe, assim, uma ―solução‖ simples.
No entanto, será que Papias de fato pensou em dois homens diferentes com o nome de João? Isso se torna extremamente improvável, tão logo nos conscientizamos de que a ambos é dada exatamente a mesma caracterização. Ambos são ―velhos‖ e ambos são ―discípulos do Senhor‖. Logo, ambas as frases de Papias devem estar falando da mesma pessoa. Por que, então, a dupla menção? Pois bem, apesar da igualdade da designação, há em ambas as declarações de Papias uma diferença, que deve ser considerada, a saber, a diferença no tempo verbal da declaração. Na série de apóstolos citados em primeiro lugar o verbo está no passado: ―Eles disseram‖. Em relação a Aristião e João, no entanto, aparece a forma do presente: ―Eles dizem‖. Não podemos perder de vista o objetivo de Papias. Ele visa mostrar-nos seus fiduciários, dos quais ele próprio aprendeu. E entre esses fiduciários ele distingue dois grupos. Aos do primeiro grupo ele podia perguntar o que André, Pedro, etc. lhes ―disseram‖ no passado. Junto aos do segundo grupo ele podia se informar o que ―dizem‖ agora os discípulos do Senhor, Aristião e João. Ou seja, ele conhece pessoas que no passado tiveram contado com todos os apóstolos, entre os quais obviamente também está João. Porém conhece igualmente pessoas que agora ainda tinham a oportunidade de falar com os últimos sobreviventes da primeira geração. Além de Aristião, esses sobreviventes incluem também o ―velho João‖. Justamente por ter se tornado particularmente idoso entre os discípulos do Senhor, ele recebeu o nome honorífico ―o velho‖, com o qual ele também se apresenta em sua 2ª e 3ª carta.
A tradição eclesiástica, que por meio de Ireneu remonta ao discípulo de João, Policarpo, atribui inequivocamente o evangelho ao apóstolo João e não está sendo enfraquecida, mas fortalecida pelas declarações de Papias de que dispomos.

3 – Será que Marcos (Mc 10.39) refuta a autoria de João?
Entretanto, será que a autoria do filho de Zebedeu não é refutada de uma maneira muito simples? Na realidade, em Mc 10.39 é profetizado o martírio para ambos os filhos de Zebedeu. Para pesquisadores críticos, essa profecia obviamente constitui um ―vaticinium ex eventu‖, i. é, uma profecia que foi colocada na boca de Jesus somente porque João de fato foi executado nos primeiros tempos, assim como seu irmão Tiago. Porém, será que dispomos de uma prova qualquer que seja convincente acerca desse martírio precoce de João? Não é o caso. Atos 12.2 somente fala da execução de Tiago. Por ocasião do ―concílio dos apóstolos‖ (At 15), João ainda se encontra com o apóstolo Paulo, sendo uma das colunas da igreja de Jerusalém (Gl 2.9). E quem quer que tenha escrito o ―pós-escrito‖ desse evangelho, jamais poderia ter apontado, em Jo 21.22, para uma vida especialmente longa do apóstolo, se todos soubessem da morte de João nos primeiros tempos.
Jesus anunciou a todos os seus discípulos que sofreriam por causa do Seu nome (Mt 10.17-22; Jo 16.1s). Em Mc 10.39 Jesus, portanto, não visa destacar o sofrimento futuro dos filhos de Zebedeu como algo extraordinário. Está anunciando a ambos a sorte geral dos discípulos, porque haviam-no interrogado sobre o lugar de honra no reino de Deus. Contudo, o caminho concreto do sofrimento de cada um dos discípulos permanece em aberto. O cálice e o batismo do sofrimento estavam reservados a todos os discípulos, ainda que para cada um deles o sofrimento tivesse uma forma distinta. Conseqüentemente, Mc 10.39 não comprova necessariamente uma morte precoce de João pelo martírio.
As dúvidas sobre a autenticidade do evangelho de João, porém, não brotam dessas observações esparsas. Há outras razões subjacentes ao fato de que tantos teólogos repetidamente contestam a redação apostólica desse evangelho. Elas se situam na diferença de João para os ―sinóticos‖, que forçosamente chama a atenção de todo leitor atento da Bíblia. É dessa questão que trataremos agora num item específico.

II – João e os evangelhos sinóticos

1 – Esquema da atuação de Jesus
Há uma diferença flagrante no esquema da atuação de Jesus. Nos sinóticos forçosamente temos a impressão de que essa atuação durou apenas cerca de um ano e transcorreu completamente na Galiléia. Somente uma única vez durante sua atuação pública Jesus vem para Jerusalém, para um passá que lhe acarreta a morte.
Em contrapartida, de acordo com o exposto por João, Jesus vai logo no início de sua atuação ao passá em Jerusalém (Jo 2.13), atuando ali e na Judéia. Obviamente João também tem conhecimento de uma atuação reiterada de Jesus na Galiléia (Jo 1.43-2.12; 4.43ss; 6,1ss). Contudo, repetidamente (Jo 5.1s; 7.10ss; 10.22ss) Jesus se encontra em Jerusalém para as grandes festas, antes de marchar solenemente para dentro da cidade para o último passá (Jo 12.12ss). Os discursos e as controvérsias decisivas com Israel sucedem em Jerusalém. Conforme essa descrição de João, a atuação pública de Jesus deve ter durado cerca de três anos.
Nenhum dos ―evangelhos‖ tem o objetivo de nos fornecer uma ―biografia‖ de Jesus no sentido moderno. Também João seleciona, da plenitude do que haveria para relatar acerca de Jesus (Jo 20.30; 21.25), aquilo que poderá conduzir seus leitores de forma singular para a fé ou fortalecê-los nela. Também o seu evangelho é ―proclamação‖. Contudo, enquanto os sinóticos não dão valor à exatidão histórica da ―moldura‖, mas estão tomados pela importância de sua ―matéria‖, João se mostra como o discípulo e testemunha ocular direta, relatando involuntariamente o transcurso cronológico da atuação de Jesus de tal maneira como de fato aconteceu.

2 – Divergência dos sinóticos
Em vista dessa diferença, não causa surpresa que João divirja dos sinóticos também no material apresentado pelo seu evangelho. É bem verdade que João informa sobre a atividade de Jesus na Galiléia, descrevendo o milagre da multiplicação do pão e como Jesus anda por sobre o mar. Contudo, em João procuraremos em vão as palavras e parábolas de Jesus, tão conhecidas dos sinóticos. Muitas curas, exorcismos e atos de poder, dos quais os evangelhos sinóticos estão repletos, não se encontram em João. Pelo que parece, João pressupõe o conhecimento dos outros evangelhos na igreja. Não repete o que a igreja já sabia, nem sequer a instituição da santa ceia. Em troca, ele fornece atos e discursos de Jesus que os sinóticos não relatam, pela simples razão de que não dirigem seu olhar para Jerusalém. Os três grandes milagres (cura de um enfermo no tanque de Betesda, cura de um cego de nascença e ressurreição de Lázaro), que se revestem de importância especial por causa da luta de Jesus com os círculos dirigentes de seu povo, acontecem na área de Jerusalém. Do mesmo modo, os grandes discursos e controvérsias nos capítulos 5, 7, 8 e 10 são integralmente determinados pela conjuntura de Jerusalém.
Em conseqüência, não cabem objeções a essas partes do evangelho pela mera razão de que apenas João as traz. Da plenitude do material, apenas uma fração foi selecionada e anotada pelos evangelistas, do que justamente João tem consciência (Jo 20.20; 21.25). João apresenta em seu evangelho aquilo que servia para explicitar a atuação decisiva em Jerusalém. Na diversidade do material, pois, não se configura uma prova da ―não-autenticidade‖ desse evangelho.

3 – Os discursos de Jesus, um contraste entre João e os sinóticos?
No entanto, se entendemos e reconhecemos tudo isso, será que não existe apesar disso um contraste intransponível entre João e os sinóticos nas apresentações dos discursos de Jesus? Seria possível que Jesus falou ao mesmo tempo da forma como relatam os sinóticos e assim como o constatamos em João? Em João há longos discursos que têm por tema o próprio Jesus, sua pessoa e sua importância. Lá nos sinóticos, seguindo o estilo da Palestina, ocorrem ditos concisos e marcantes, parábolas breves e concretas, e tudo gira em torno do reino de Deus e da atitude correta diante de Deus e do semelhante. Não poderia ser que unicamente a apresentação sinótica mostra o Jesus genuíno, histórico, enquanto o ―Cristo joanino‖ representa flagrantemente uma livre invenção do evangelista justamente em seus discursos?
Cabe-nos ser muito cautelosos com o veredicto do que ―poderia‖ ou ―não poderia‖ ter sido histórico. É bem compreensível que as palavras e parábolas de Jesus, como trazidas pelos sinóticos, eram facilmente memorizadas justamente na Galiléia e no povo simples, sendo transmitidas nesse contexto. No entanto, é imperioso que por isso Jesus também tenha falado da mesma forma em Jerusalém e no confronto com os grupos dirigentes? Não seria plausível que aqui estivesse em jogo, de maneira bem diferente, também sua pessoa, sua autoridade, a fé nele, a forma como vem ao nosso encontro, logo na primeira ida de Jesus à capital, no episódio da purificação do templo e no diálogo com Nicodemos? Afinal, esses ―discursos de Jesus‖ – inclusive na sinagoga de Cafarnaum! – justamente não são ―pregações‖, mas sempre ―diálogos‖, discussões duras, nas quais as respostas de Jesus deixam perceber as perguntas e objeções de seus adversários, mesmo quando João não as insere expressamente.
Indiretamente, os próprios sinóticos evidenciam que Jesus de fato também falou de maneira ―diferente‖. Eles têm conhecimento de ―longas pregações‖ (Mc 6.34) e de uma proclamação de Jesus que durou vários dias (Mc 8.2). Nessas ocasiões, porém, não é possível que Jesus tenha alinhavado durante horas apenas ditos e parábolas breves. ―Longas pregações‖ requerem exposições com nexo, assim como João relata no cap. 6 também em relação à atuação de Jesus na Galiléia.
É necessário que nos detenhamos ainda mais nesse ponto, uma vez que também comentaristas que sustentam a autoria do apóstolo João nesse evangelho apesar disso consideram os discursos de Jesus como livre elaboração do evangelista. F. Büchsel opina: ―O quarto evangelho nos traz a realidade histórica de Jesus apenas nos moldes da compreensão, mais precisamente da compreensão adquirida posteriormente pelo evangelista, cuja liberdade bastante marcante se contrapunha à compreensão meramente histórica.‖ W. Wilkens fala da ―incrível liberdade do quarto evangelista diante da tradição, fundada sobre a autoridade do testemunho autêntico.‖ H. Strathmann torna-se ainda mais explícito: ―Costuma-se dizer que os discursos joaninos de Jesus ‗teriam passado pela pessoa de João‘. Correto! Contudo, o que significa isso? Os discursos de Cristo em João são discursos de João sobre Cristo. João serve-se deles como forma para pregar sobre Cristo, motivo pelo qual também ocasionalmente os discursos de Jesus, inclusive na forma, repentinamente transitam para discursos sobre Jesus. Em outras palavras: Em sua exposição, João não presta tributo ao historicismo, mas ao princípio da estilização proclamatória.‖
Por trás dessas declarações certamente existem observações corretas. Isso vale sobretudo com vistas à linguagem peculiar no evangelho de João, que também influi no linguajar de Jesus nessa apresentação. ―É freqüentemente constatado que em todos os lugares dos escritos joaninos é possível encontrar o mesmo linguajar, independente se o que fala é Jesus ou João Batista ou João, filho de Zebedeu. Entre os discursos de Jesus e as cartas de João não existe diferença de estilo‖. Nesse ponto pode-se perceber nitidamente que em longos anos de trabalho de pregação diversificada João assimilou dentro de si tudo o que havia vivenciado com seu Senhor, reproduzindo-o agora com o seu linguajar.
Diante disso, porém, cumpre levantar uma pergunta bem decisiva: Onde fica, nesse caso, o limite entre ―testemunho histórico‖ e ―elaboração espiritual‖? Será que realmente estamos lidando com o próprio Jesus ou com um personagem que o evangelista também retrata depois, a partir dessa ―compreensão adquirida posteriormente‖? Quando Büchsel pensa que ―[quem] queria compreender Jesus a partir daquilo que ele podia saber dele no tempo em que viveu, de acordo com João necessariamente o tinha de compreender mal‖ e ―que a impressão da atuação histórica como tal simplesmente não leva nenhuma pessoa a crer em Jesus‖, então os ―judeus‖ estariam plenamente desculpados por não terem compreendido a Jesus naquele tempo, rejeitando-o. Nesse caso, a conhecida palavra de Jo 1.14 teria de ser artificialmente reinterpretada: A palavra se tornou carne, e mais tarde, depois de sua ressurreição e ascensão, nós também vimos a sua glória. Se João descreve Jesus totalmente de acordo com sua compreensão espiritual posterior, então nos tornamos, de um modo questionável, dependentes de João e da exatidão de sua compreensão, e não temos mais a ver realmente com Jesus, mas de fato apenas com o ―Cristo joanino‖.
A fé não é capaz de viver de ―interpretações‖, nem mesmo das mais profundas e belas. A fé vive de realidades. Quando João não reproduz as palavras decisivas de Jesus porque as ouviu assim, mas opina a partir de sua compreensão posterior de Jesus, (―Na verdade Jesus deveria ter falado assim‖), então nós, como fiéis, estamos numa situação complicada. Como ainda poderíamos interpretar seriamente as afirmações ―Eu sou‖ de Jesus, se tivéssemos de pensar que o próprio Jesus nem sequer as pronunciou? E como podemos acreditar que um israelita – pois é isso o que o autor do evangelho de João é – teria inventado livremente essas palavras de Jesus que evocam o nome de Javé, e que as teria colocado nos lábios de Jesus? Talvez seja verdade o que recentemente é salientado nesse contexto, que anedotas e afirmações inventadas seriam capazes de caracterizar melhor um personagem histórico que relatos historicamente confiáveis. Contudo, a situação se torna muito diferente quando eu próprio quero fazer uso das promessas de uma pessoa poderosa. Então de nada me servirá a mais poderosa e ―característica‖ palavra, se for inventada. A pessoa tem de ter dado sua promessa de uma forma inequívoca, para que eu possa fundamentar sobre ela uma reivindicação. Se Jesus não pronunciou de fato sua poderosa palavra ―Eu sou…‖ com as promessas subseqüentes, de nada nos servirá no caso mais sério, p. ex., ao morrermos, que João assegure a partir de sua compreensão posterior de Cristo que Jesus ―poderia‖ ter falado dessa maneira, sim, que na realidade ―deveria‖ ter falado desse modo.
Contudo, toda essa concepção de projetar para trás, para a descrição do Jesus histórico, a compreensão posterior de Cristo é refutada pelo próprio evangelho de João. O autor anotou pessoalmente em algumas passagens que os discípulos compreenderam essas palavras de modo correto apenas mais tarde, depois da ressurreição de Jesus (p. ex., Jo 2.22; 7.39; 12.16). Com isso, porém, atestou justamente que ele não inventou nem modificou essas palavras de seu Senhor, mas sim que as reproduziu em sua forma original, enquanto naquela época ele e os demais discípulos ainda careciam do entendimento dessas palavras, ficando claras somente mais tarde, após a Páscoa. Se ele, porém, tivesse relatado parte por parte de acordo com sua compreensão posterior, então ele não teria tido mais nenhum motivo para destacar em determinadas passagens específicas que nesse ponto somente uma percepção posterior teria descortinado o sentido mais profundo da questão.
No fundo, deparamo-nos com uma questão de confiança. Não temos condições de verificar objetivamente se João reproduziu correta e fielmente os discursos de seu Senhor. Contudo, constantemente vemos em seu evangelho o empenho em relatar com exatidão, em todos os detalhes, a atuação de Jesus. Será que de repente, na questão principal de seu livro, nas palavras e discursos de Jesus, ele deixaria de ser confiável, apresentando-nos considerações pessoais ao invés de palavras de seu Senhor? Será que um discípulo, sobre o qual os amigos atestam expressamente a veracidade de seus testemunhos (Jo 21.24), e que assegura em sua carta: ―O que temos visto e ouvido anunciamos também a vós‖ (1Jo 1,3), faria isso? Podemos ler os discursos de Jesus em nosso evangelho com a firme confiança de que neles ouvimos o próprio Jesus falando conosco.

4 – A concordância interna com os sinóticos
Ao olharmos para os sinóticos, não pretendemos observar unilateralmente apenas as diferenças, mas também a concordância interna. Será que a pessoa que teve a ousadia de transmitir a seus discípulos a colossal palavra: ―Vós sois a luz do mundo‖, não teria afirmado primeiro sobre si próprio: ―Eu sou a luz do mundo‖? Também nos sinóticos se encontram palavras da incomparável majestade de Jesus, e também elas estão imbricadas com esse extraordinário senso de envio que se expressa na afirmação: ―Eu vim‖ (p. ex., Mt 10.34-37 em combinação com Dt 33.9; Mt 5.17; 9.13; 18.11; 20.28; Lc 6.46 em combinação com Lc 12.49). Desde sempre se constatou a conotação ―joanina‖ no autotestemunho e convite redentor de Mt 11.25-30.
Cumpre compreender as diferenças permanentes entre João e os sinóticos. Não há nelas uma razão compulsória para colocar em dúvida o autotestemunho do evangelho de João e a tradição eclesiástica sobre a autoria do apóstolo João.

III – A terminologia dos discursos de Jesus
Entretanto, que dizer da terminologia dos discursos de Jesus em João? Na verdade, também nos sinóticos a pregação de Jesus mostra os grandes contrastes de luz e trevas, vida e morte, uma vez que também neles essa proclamação convoca para uma decisão definitiva. Porém em João os discursos de Jesus são dominados e moldados pelos contrastes de ―luz e trevas‖, ―espírito e carne‖, ―verdade e mentira‖, ―vida e morte‖, ―ser do alto‖ e ―ser de baixo‖. A pesquisa descobriu correlações para eles na gnose, motivo pelo qual considerou o evangelho de João um escrito tardio que, usando termos e conceitos gnósticos, travou uma luta contra a gnose. É óbvio que para nossa surpresa os achados dos manuscritos no deserto de Judá e as descobertas do pensamento e da vida da comunidade ―monástica‖ de Cunrã nos mostraram que a ―terminologia gnóstica‖ podia ser encontrada não somente na gnose helenista posterior, porém já em época pré-cristã, numa comunidade rigorosamente judaica. E essa comunidade vivia nas proximidades da região do Jordão, na qual atuou João Batista. Os sacerdotes de Jerusalém e os grupos fariseus influentes certamente tinham conhecimento de ―Cunrã‖, que estava a apenas 20 km de Jerusalém. Ademais, as concepções de Cunrã, com sua áspera crítica ao judaísmo oficial, de forma alguma eram ignoradas por aqueles grupos que, numa expectativa viva, aguardavam a derradeira ação salvadora de Deus. Conseqüentemente, é possível que o próprio Jesus tenha usado uma terminologia que não era incompreensível a amigos e inimigos em Jerusalém.

IV – O objetivo do evangelho de João
Somente entenderemos de forma apropriada o evangelho de João se tivermos diante de nós o objetivo que João persegue com seu evangelho.
a – Já havia outros evangelhos escritos nas mãos da igreja. Por que, pois, também ele escreve um livro seu? Já na igreja antiga havia a opinião de que a intenção de João teria sido apresentar Jesus de forma mais ―intelectual‖, ―interior‖, mais ―filosófica‖, para usar um termo mais moderno. O evangelho segundo João, por isso, também foi prezado especialmente em círculos ―intelectuais‖ e filosóficos. Não obstante, essa opinião é equivocada. João leva a ―encarnação‖ e, portanto, a vida bem real do Filho de Deus a sério. Por outro lado, João não visa mostrar-nos a atuação de Jesus em toda a sua amplitude. Isso os sinóticos já haviam feito. Ele se concentra num único tema, que lhe parece ser o verdadeiro tema da vida de Jesus. Ele o expõe logo na abertura de seu livro: O Verbo eterno, por meio do qual o mundo foi criado, vem com sua glória, envidado pelo amor de Deus, para salvar o mundo; porém os seus não o acolhem! Todo o evangelho de João trata da luta de Jesus com seu povo e seus grupos dirigentes, os sacerdotes e fariseus na Judéia, os zelotes na Galiléia. Também os sinóticos têm consciência do contraste entre Jesus e os líderes do povo, descrevendo-o em muitas passagens por meio de narrativas isoladas e palavras concisas. Sabem que disso resultou a cruz de Jesus. De modo bem diferente, porém, João faz com que se experimente a profundidade do conflito e a constante escalada da luta até a cruz.
Pelo fato de que a controvérsia de Jesus com Israel e o empenho para conquistar seu povo preenche todo o evangelho de João, houve quem o quisesse entender como um ―escrito missionário em prol de Israel‖. Essa hipótese, porém, ignoraria um traço muito peculiar que confere a esse evangelho sua característica especial. Logo de início Jesus é mostrado não apenas como o Messias de Israel, mas como Mediador da criação, que desde os primórdios se relaciona com o mundo inteiro. É por isso que ele também, vindo como Salvador, está ―no mundo‖, e é ―o mundo‖ que não o conhece (Jo 1.10). João Batista vê em Jesus o Cordeiro de Deus que carrega não somente as transgressões de Israel, mas ―os pecados do mundo‖ (Jo 1.29). Em Jesus Deus revela como ele não apenas ama o povo eleito, mas ―ama o mundo‖ (Jo 3.16). Por isso os samaritanos que aceitaram a fé o confessam com razão como ―Salvador do mundo‖ (Jo 4.42). O ―Rei‖ que tem a incumbência de dar testemunho da verdade (Jo 18.37) não é somente o ―Rei dos judeus‖ (isso ele obviamente também é!), mas um Rei de todas as pessoas, porque todas carecem da verdade, assim como todas também estão sujeitas à morte e precisam daquele que é ―a ressurreição e a vida‖ (Jo 11.25). É bem verdade que Jesus permanece fiel a Israel até a morte e não parte em direção dos gregos (Jo 7.35; 12.20ss). Contudo, justamente como aquele que foi exaltado para a cruz ele ―atrairá a todos para si‖ em dimensões universais (Jo 12.32).
Inversamente, por isso também se torna claro que apesar de sua eleição, que permanece incontestável (Jo 4.22!), Israel se torna, por causa de sua incredulidade, o representante especial do ―mundo‖ hostil a Deus. Aqueles que se gloriam de ser filhos de Abraão, são filhos do diabo (Jo 8.44), o qual é ―o príncipe deste mundo‖.
Desse modo, o evangelho de João, enquanto descreve a luta de Jesus por Israel, visa incessantemente a importância universal e o envio mundial do Filho de Deus.
b – Na luta por Israel não estão em jogo os detalhes, por mais que esses ―detalhes‖, como a questão do sábado, se destaquem também em João (Jo 5.9-16). Contudo, João deixa mais explícito do que os sinóticos que está em jogo somente uma única coisa, a atitude frente ao próprio Jesus, a fé ou incredulidade diante dele. Isso confere ao evangelho de João uma ―simplicidade‖ e, se quisermos usar essa expressão, sua grandiosa ―monotonia‖ em comparação com os sinóticos. Em sua essência, os sinóticos não defendem outra coisa (cf. Lc 10.42; Mt 7.24-27; 11.20-30; 19.21; 19.28s; etc.). Porém em João torna-se explícito na própria pregação de Jesus o que mais tarde ensina a mensagem dos apóstolos, a começar pela do apóstolo Paulo, a judeus e gentios: ―Crê no Senhor Jesus Cristo, e serás salvo, tu e tua casa‖ [At 16.31]. João nos mostra que essa mensagem não era a invenção dos apóstolos, mas que o próprio Jesus desafiou as pessoas dessa maneira na decisão de fé em sua pessoa: ―Se não crerdes que eu sou morrereis em vossos pecados‖ (Jo 8.24).
c – Em decorrência, não é de admirar que o próprio João visse no ―crer‖ o alvo de seu testemunho de Jesus. No final de sua obra ele fala da plenitude dos sinais de Jesus, os quais não conseguiu considerar todos. ―Esses, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o filho de Deus, e para que crendo, tenhais vida em seu nome‖ (Jo 20.31). Vale observar que nessa frase João não apenas opta pela formulação ―para que venhais a crer‖, mas que usa a forma verbal que expressa a continuidade de uma ação. Seu evangelho não visa ser propriamente um escrito missionário, mas dirige-se à comunidade crente, a fim de fortalecê-la, depurá-la e aprofundá-la na fé.
É possível que João tivesse em mente o perigo vindo de uma forma de ―gnose‖ que tinha o intuito de ela mesma ser cristã, sim, que afiançava elevar o cristianismo de fato à sua verdadeira sublimidade, requestando ativamente as igrejas. Já na carta aos Colossenses, precisamente na Ásia Menor, deparamo-nos com inícios dessa gnose cristã com suas ―percepções superiores‖ e seus métodos especiais de vida espiritual (Cl 2.8,16-23). Como contemporâneo de João vive e atua em Éfeso o gnóstico Querinto. Por isso, pode bem ser que diversos pontos sejam especialmente realçados nesse evangelho com vistas à gnose. No entanto, deixaríamos de compreender toda magnitude do evangelho de João se víssemos nele apenas um escrito antignóstico. O ―evangelho segundo João‖, como o chamava a igreja antiga, é realmente o evangelho pleno, integral, escrito para mostrar Jesus aos leitores de tal modo que sua fé possa agarrar-se em Jesus e encontrar em Jesus o caminho, a verdade e a vida.

V – A integralidade do evangelho de João
Que se pode afirmar sobre a integralidade desse evangelho? Será que pode ser seriamente questionada? Não é justamente o evangelho de João coeso e integral em seu estilo inconfundível, em sua estrutura clara?
No entanto, desde sempre chamou atenção que o cap. 6 de repente mostra Jesus na Galiléia, sem que tenha sido dito algo – como em Jo 4.1-3 – a respeito do fato e das razões de mais um retorno para a Galiléia. Não seria bem mais fácil que o cap. 6 viesse após o cap. 4? E, se o cap. 5 fosse subseqüente apenas ao cap. 6, não seria muito mais compreensível a palavra de Jesus em Jo 7.21, com sua referência ao milagre narrado no cap. 5?
Será possível que aconteceu uma inversão posterior, equivocada, dos capítulos? Uma vez que todos os manuscritos sem exceção trazem o texto assim como o possuímos hoje, a troca dos capítulos deveria ter acontecido já na primeira edição do livro. Para tornar isso mais compreensível, imaginou-se uma ―troca de páginas‖. Nesse caso o evangelho de João não teria sido publicado como ―rolo‖, mas como um ―códice‖, escrito sobre folhas. Porém, trocar as folhas por engano somente teria sido possível se tanto o cap. 5 quanto o cap. 6 preenchessem exatamente uma página, sem que restassem linhas para uma nova página.
H. Strathmann (NTD, vol. IV/1955) sugere uma solução para essa questão, que ao mesmo tempo poderia tornar compreensíveis diversas outras irregularidades nesse evangelho. Se João empreendeu a redação de seu livro somente em idade avançada, talvez ele não conseguiu mais terminar pessoalmente a última formatação. Justamente por isso um grupo de discípulos e amigos teve de acrescentar o cap. 21 e assumir a responsabilidade pela publicação da obra. Nesse processo certamente poderia ter acontecido que a ordem correta dos cap. 5 e 6 não fosse notada e, por isso, já no manuscrito original o texto fosse escrito da maneira como o encontramos em todos os manuscritos. Essa solução, porém, não é mais do que uma hipótese digna de consideração.

A paz do Senhor e até a próxima postagem!


Referências bibliográficas:
Comentário Esperança, Evangelho de João; Comentário Esperança, João (4). Editora Evangélica Esperança; Curitiba.


Prof°: Euler Lopes