Esse esclarecimento é para
todos os estudantes de nosso seminário teológico, e para pessoas que desejam
ter conhecimento do Evangelho de Jesus Cristo segundo escreveu João Marcos. É
muito difícil para nós professores, explicar detalhadamente todos os pontos
teológicos em poucas horas, haja vista, a necessidade que existe entre os
nossos alunos, de não ter material disponível em suas mãos. Por isso,
compartilho com vocês alguns apêndices do Evangelho de Marcos para podermos
elucidar cada questão que envolve o livro.
O Evangelho Segundo
Marcos
Considerado por alguns
estudiosos como o primeiro evangelho a ser escrito, não obstante tenha
sido colocado após " Mateus" o Evangelho Segundo Marcos é
o mais curto de todos os evangelho, sendo que vinte e cinco por cento de sua
narrativa é dedicada a registrar os últimos acontecimentos da vida de
Cristo, a comumente chamada" semana da paixão", e o
restante, de forma diferenciada, dedicados aos feitos milagrosos
realizados por Aquele que "[...] tudo tem feito
esplendidamente bem [...]",Mc. 7. 37.
Marcos é considerado, um dos evangelhos sinóticos.
O termo sinótico vem de duas palavras gregas, cujo significado é “ver
conjuntamente”. Dessa maneira, Mateus, Marcos e Lucas tratam basicamente
dos mesmos aspectos da vida e ministério de Cristo. Dos evangelhos sinóticos,
Marcos é o mais breve. O Evangelho de Marcos é geralmente considerado o
primeiro evangelho que foi
escrito, diz Darrell Bock. Embora esse fato não tenha um
consenso unânime, a maioria dos estudiosos crê que Marcos foi escrito antes dos
outros evangelhos. J. Vernon Mc Gee defende a tese de que Marcos foi escrito
por volta do ano 63 da era cristã. Sendo, assim, William Barclay o
considerava o livro mais importante do mundo, visto que serviu de fonte
para os outros evangelhos e é o primeiro relato da vida de Cristo
que a humanidade conheceu. Dos 661 versículos de Marcos, Mateus
reproduz 606. Há apenas 55 versículos de Marcos que não se encontram em Mateus, mas
Lucas utiliza 31 destes. O resultado é que há somente 24 versículos de Marcos
que não se encontram em Mateus ou Lucas. Isso parece provar que tanto Mateus
quanto Lucas usaram o evangelho de Marcos como fonte.
O Título do livro
O manuscrito mais antigo
que nos preservou trechos do evangelho de Marcos, o papiro Chester Beatty I (p45),
do século III, não ajuda a elucidar a origem do título, pois infelizmente só
começa em 4.36. Os próximos manuscritos mais antigos já são as famosas
testemunhas principais da Bíblia toda, o Códice do Vaticano (B) e o Códice Sinaítico, do século IV. Nestes, o
livro tem o título curtíssimo: “Segundo Marcos”. Eles silenciam sobre o
conteúdo e só respondem à pergunta: Quem é a testemunha? Isto os copistas não
tardaram a compreender e acrescentaram “Evangelho segundo Marcos”, a partir do
próximo século. Os Pais da Igreja já tinham encontrado antes este caminho, em
seus escritos. Será que o título mais antigo, “Segundo Marcos”, remonta ao
próprio Marcos? Será que já constava do seu original? Uma referência autoral
como título soava tão estranha naquela época como hoje em dia. Devemos levar em
conta, porém, que todos os evangelhos têm o título nestes
termos. Mesmo que Marcos tivesse dado um nome tão estranho à sua obra, será que
quatro escritores fariam a mesma coisa? As probabilidades não favorecem esta
alternativa. Além disso, na Antiguidade não era costume que o autor desse o
nome ao seu livro (L. Koep 674.685; Fouquet-Plümacher 275.282). Este resultava
do uso que se fazia da sua obra.
O apresentador de um teatro
tinha de anunciar a peça de alguma forma, e principalmente os bibliotecários
necessitavam de títulos nas obras para poder classificá-las. Muitas vezes eles
os derivavam de termos importantes da introdução. Com livros bíblicos agia-se
da mesma forma. O “Apocalipse de João”, p. ex., tem seu título de Ap 1.1; as
cartas de Paulo, da indicação de destinatário no início, p. ex. “Aos Romanos”
de Rm 1.7. Por último, mais uma circunstância favorece nossa proposição de que
as indicações de autor não procedem dos próprios evangelistas. Em cartas, era
regra que o autor mencionasse seu nome logo no começo; todavia, nos evangelhos,
o contrário parece ser o caso. Em Mateus e Marcos não há o menor indício, em
Lucas só o “eu” anônimo do autor em 1.3, e em João só o “ele” do autor no fim,
sem menção de nome, em 19.35; cf 20.30s, 21.25. Parece que aqui há coerência.
Somente os evangelhos apócrifos do século II acharam necessário atribuir-se o
prestígio de terem sido escritos por autoridades dos primórdios do
cristianismo. Assim, p. ex., o Evangelho de Pedro, do século II, enche a boca
para dizer: “Eu, porém, Simão Pedro”. Em oposição a isto, nossos evangelhos
canônicos tinham prestígio desde o começo. Seus responsáveis não precisavam
destacar-se, por serem conhecidos na cristandade ainda jovem e visível a todos,
e nem podiam, porque quem fala realmente nestes livros era, em sentido
específico, o Senhor (cf Hb 2.3). Depois que os tempos do início ficaram
para trás, e principalmente quando existiam quatro livros do mesmo tipo lado a
lado no século II, a necessidade prática impôs de que se fizesse distinção
entre estas quatro testemunhas. Foi então que surgiram as indicações de
autoria: “Segundo Mateus”, “Segundo Marcos” etc. Esta informação era fixada com
um bilhete na haste de madeira do rolo, o que era prático para quem procurava
determinado rolo em uma caixa de madeira ou vaso de barro. Mais tarde, quando a
Bíblia passou a ser transmitida em forma de códice, este título curto também
pôde ser colocado na margem superior de cada folha, para facilitar a procura de
passagens. Na página de capa, por outro lado, os títulos costumavam ser
ampliados. De Mc 1.1 foi tirado o termo “evangelho”.
Do Evangelho de Mateus, p.
ex., existe a sonora descrição “O Santo Evangelho do Apóstolo Mateus”.
O título curto desobrigava,
a princípio, que se desse um nome a este tipo de literatura, pois isto
representava uma dificuldade, já que não havia ponto de referência. Somente a
partir de meados do século II passou-se a dizer, como é costume até hoje: Estes
são os quatro evangelhos! Desta forma, “evangelho”, além de referir-se ao único Evangelho do qual não podia haver
imitações (Gl 1.6s), passou a ser o nome de quatro livros. Sendo assim, o
título breve “Segundo Marcos” e sua ampliação “Evangelho segundo Marcos” são
oriundos do cuidado cristão da Igreja posterior.
Autoria
Determinar de forma precisa a autoria desse evangelho é uma tarefa
difícil, uma vez que não há, nenhuma parte dessa obra, uma única afirmação
direta acerca de sua autoria. Entretanto, com base na afirmação e líderes
eclesiásticos que viveram no período pós-apostólico, como Papias de Hierápolis
e Eusébio de Cesaréia, este evangelho é produto das mãos de João Marcos, o
mesmo mencionado em Atos dos Apóstolos (12.12, 25; 15.37, 39) e nas epístolas
paulinas (Cl. 4.10-11; 2Tm. 4.11; Fl. 24; 1Pe.5.12-13).
Assim escreveu Papias ( a citação abaixo foi
preservada por Eusébio de Cesaréia, em sua obra "Histórias Eclesiástica",
III,39,15): Marcos, que realmente se tornou o primeiro interprete de
Pedro, escreveu com exatidão, tanto quanto podia lembrar, sobre coisas feitas
ou ditas pelo Senhor, embora não em ordem. Pois ele nem ouvira ao Senhor nem
fora seu seguidor pessoal, mas em período posterior, conforme eu disse, passara
a seguir a Pedro, que costumava adaptar os ensinamentos as necessidades do
momento, mas não como se estivesse traçando uma narrativa corrente dos oráculos
do Senhor, de tal forma que Marcos não incorreu em equívoco ao escrever certas
questões, conforme podia lembrar-se delas. Pois tinha apenas um objetivo em
mira, a saber, não deixar de fora coisa alguma das coisas que ouvira e não
podia incluir entre elas qualquer declaração falsa.
O "Marcos" ao qual o discípulo de
Policarpo - Papias - se refere na citação acima é o filho de uma piedosa mulher
de Jerusalém, chamada Maria, cuja casa era utilizada para culto de oração e
estudos das Sagradas Escrituras ( At. 12.12). Ele, tanto quanto Lucas, não
foram testemunha ocular dos feitos de Jesus, não apercebendo, portanto, em
nenhum lugar na lista apostólica (Mt.10.2-4; Mc.3.13-19; Lc.6.12-16; At.1.13). Alguns
teólogos dizem: as informações que coletou para a composição desses evangelhos foram provenientes das pregações
do apóstolo Pedro durante algumas de suas viagens, porém
outros estudiosos vão mais afinco.
O testemunho do livro
Será que havia no livro algum ponto de referência quando foi
escolhido o título “Segundo Marcos”, no século II? Em lugar algum há uma
indicação de autor; o nome Marcos nem aparece. Incorremos em mal-entendido se
concluímos disto que o autor quis ou conseguiu ocultar-se dos seus leitores.
Ele deve ter sido bem conhecido deles, ou não lhe teriam dado a tarefa de
escrever sua obra, e esta não teria alcançado seu prestígio. Os primeiros
cristãos viviam em comunidades que se podiam visualizar. Ninguém conseguiria
realizar um trabalho como este em segredo, nem fazê-lo circular secretamente.
Além disso não era costume, nem apropriado tendo em vista o conteúdo, inserir o
próprio nome em um relato das palavras e ações do Senhor.
Será que mesmo assim ficaram “impressões digitais”?
Alguns comentadores acham que o evangelho de Marcos contém
“impressões digitais” do autor (Th. Zahn, Wohlenberg, Rienecker). Fazem também
outra comparação: o famoso pintor Rembrandt gostava de pintar a si mesmo
dissimulado em seus quadros. De modo igualmente singular, Marcos deu a entender
aos conhecedores: aqui está quem escreveu. Trata-se principalmente de quatro
passagens que pertencem ao acervo específico de Marcos. Em 14.51s aparece “um
jovem” que, devido às suas vestes finas, está cercado de uma aura abastada e
aristocrata. Rienecker escreve sobre isto: “Este acontecimento, em si
insignificante, só interessa àquele que o protagonizou, que só pode ter sido o
próprio Marcos”. Ele fora testemunha ocular e auricular, e aqui se dá a
conhecer como fiador da tradição.Em 14.13 lemos sobre “um homem trazendo um
cântaro de água”, que aparentemente sabia de tudo. Ele já esperava pelos dois
discípulos, sem mais perguntas os conduz pelo caminho e os leva à casa certa.
Em seguida, no versículo 19, alguns manuscritos acrescentam (cf RC): “E outro:
Porventura sou eu, Senhor?” Já que a frase anterior fala dos discípulos, este
“outro” poderia ser um morador da casa. Isto aponta de novo para o homem do
cântaro.Por fim, em 10.17 se registra que “correu um homem ao encontro” de
Jesus, para quem Jesus depois olha com carinho. Pensa-se que este moço abastado
bem poderia ter sido (o próprio) Marcos. Só ele poderia ter sabido deste olhar
de Jesus.
O resumo fica assim: Em
Jerusalém havia o filho de uma família conhecida e rica, que não fazia parte
dos discípulos de Jesus mas acompanhava os acontecimentos mais íntimos e estava
bem informado. Disto se conclui: Os membros da igreja de Jerusalém, que naturalmente
conheciam este homem, nestas passagens o teriam reconhecido. Trata-se do João
Marcos do livro de Atos, o filho da viúva Maria, que colocou seus bens à
disposição primeiro de Jesus e depois da primeira igreja. Estas colocações
aparentemente se encaixam muito bem, mas o termo “um” nem sempre é tão
significativo. Ele pode ser bem neutro (p. ex. 12.42, 14.3,47). E, mesmo que
este jovem ou homem fosse cada vez a mesma pessoa, Marcos no caso, isto ainda
não prova que este Marcos escreveu o evangelho. Isto só diz a próxima
suposição. Assim, enfileiram-se suposições para atingir o alvo. Em conclusão: o
testemunho do livro não leva a uma informação clara. Continuamos com um autor
anônimo, cercado de suposições.
As fontes de Marcos
A comparação dos primeiros três evangelhos comprova que naquela
época as histórias sobre Jesus não eram contadas com palavras próprias, mas
seguindo relatos mais antigos. A observação de Papias credita a Marcos só
uma fonte: Pedro! Mas isto certamente é uma simplificação. Como filho da casa
da qual os primeiros cristãos entravam e saíam, ele não deve seus conhecimentos
a uma só testemunha. De acordo com tudo o que sabemos sobre o primeiro grupo de
discípulos, Pedro tinha um papel de liderança antes e depois da Páscoa, mas ele
não era a única testemunha. Lucas confirma em seu evangelho (1.1,2): desde o
começo havia um número considerável de testemunhas oculares, de relatos por
escrito e – podemos completar, em retrospecto – de evangelhos. Uma parte
considerável do material de Marcos pode remontar a Pedro ou ter alguma relação
com ele, mas não tudo. De fato, o próprio evangelho de Marcos traz indícios de
que dispunha de mais subsídios orais e documentos escritos. Veja estas
indicações, que todo leitor da Bíblia pode conferir: Marcos menciona 81 vezes o
nome “Jesus”, o que dá em média uma referência a cada oito versículos. Bem no
meio, porém, entre 6.30 e 8.27, temos 90 versículos em sequência sem uma só
menção deste nome; ali só encontramos o pronome pessoal para identificar o
Senhor. Isto parece indicar um outro texto-base.O leitor da Bíblia também
conhece a expressão típica de Marcos “logo”, “então”, “imediatamente”. Só no
primeiro capítulo ela aparece onze vezes, ao todo 43 (em Mateus ela só é usada
oito vezes, em Lucas e João só três cada). Olhando com atenção, porém, vê-se
que a sua distribuição por capítulos é bem irregular. Na primeira metade do livro,
até 8.26, temos 35 casos. Depois a palavra quase que desaparece, para
reaparecer em duas histórias (9.15,20,24 e 14.43,45). “Logo”, portanto, não é
típico de Marcos em si, mas de uma ou algumas de suas fontes. No capítulo 1, o
primeiro discípulo é cinco vezes “Simão”, mas depois ele é sempre, 20 vezes,
mencionado por seu cognome “Pedro”. Exceções são 3.16 (os dois juntos) e 14.37
(quando Jesus se dirige a ele).Jesus também não é chamado de maneira uniforme.
Na primeira metade, ele só é chamado de “mestre” (oito vezes), depois só mais
duas vezes, alternado com quatro usos do termo aramaico correspondente, “rabi”.
Dn 7.13 é citado duas vezes, mas de forma diferente. Em 13.26 é “nas nuvens”,
em 14.62 “com as nuvens”. Estes exemplos de terminologia não uniforme são
fáceis de suplementar (cf Pesch I, p 15ss; II, p 3ss). Existe maneira melhor de
explicar estas disparidades do que no evangelho de Lucas: que os evangelhos,
inclusive o de Marcos, se baseavam em várias testemunhas! Ao mesmo tempo, estes
exemplos mostram como Marcos lidava com suas fontes. Ele poderia tê-las
retrabalhado profundamente, dando ao seu livro uma consistência estilística.
Lucas fez mais ou menos isto, mais tarde. Pode-se ver isto nos trechos que ele
assumiu de Marcos. Ele não deixou quase nenhuma linha sem correção estilística.
Marcos, por sua vez, sentia que suas mãos estavam amarradas. Só com muito
receio ele interveio aqui e ali. Em razão disto, seu livro não poucas vezes
parece tosco em termos linguísticos (veja o ponto 4 a seguir). Sua
contribuição pessoal consistiu na seleção e disposição do material, na tradução
de palavras aramaicas, no esclarecimento de costumes judaicos (7.3,4), em
pequenas explicações e indicações (2.28; 7.11b,19b; 13.14; 14.18), em
ampliações com efeito de atualização (10.12) e, principalmente, em condensações
(p. ex. 3.7-12). Compare os detalhes dos comentários sobre estes trechos, bem
como a nota prévia 1 a 2.18-22.Se Marcos, portanto, entrelaçou várias fontes,
será que é possível desfazer estes laços? Será que podemos verificar onde uma
fonte termina e começa a outra? Suas fontes podem ser reconstruídas e separadas
das contribuições dele? Especialmente em Marcos este empreendimento incorre em
muitos fatores de insegurança. Há uma diferença com os evangelhos posteriores.
Nestes, naquilo em que Marcos lhes serviu de base, podemos comparar a fonte com
o resultado, verificar linha por linha as diferenças e deduzir métodos de
trabalho. Esta possibilidade não temos em Marcos. Não é possível deduzir sem
margem para dúvidas seu estilo redacional a partir da tradição. Apesar disso,
alguns pesquisadores oferecem soluções “perfeitas”, classificam cada expressão,
até cada “e” e “ou” neste ou naquele lado. Acham que podem fazer listas de
vocábulos “marquínicos”, que usam com desenvoltura. Estes pesquisadores, porém,
sabem tanto que temos de desconfiar deles, e é possível que suas conclusões
tenham muito pouco a ver com o Marcos histórico.
As tentativas de
reconstrução das suas fontes com frequência resultam tão diferentes, que pensamos
estar em um contorcionismo literário. Comentadores sensatos sentem que este
tipo de pesquisa de Marcos de modo geral está pisando em solo
pantanoso. Sempre devemos fazer análises críticas para
chegar a uma compreensão das fontes que envolveram o evangelho de Marcos. Para um bom seminarista, a
observação do que está sendo estudado, analisado e apresentado por
outras fontes, seve de ferramentas para tirar boas conclusões. Paz de
Cristo!
Até
a próxima postagem.
Referências Bibliográficas; Comentário Esperança de Adolf Pohl. Introdução ao Novo Testamento de Roberto dos Reis (IBAD). Comentário Bíblico. Rio de Janeiro: Editora CPAD.
Por Que 4 Evangelhos? São Paulo: Editora Vida.
Prof°.; Euler Lopes