domingo, 26 de janeiro de 2014

O Evangelho de Marcos


Data de composição

a. O testemunho do próprio livro
Não faltaram pesquisadores em tempos recentes que dataram o evangelho de Marcos até no século II, mas a grande maioria das indicações gravita em torno do ano 70, quando aconteceu a destruição de Jerusalém e seu templo na guerra judaico-romana. Esta guerra começou no ano 66 e na verdade só terminou em 73, com a queda da fortaleza de Massada. Nas tentativas de datação, geralmente a questão é o quanto o cap 13 nos indica. Ali Jesus prevê o fim do templo, como castigo divino iminente.
Quem declara a ideia da profecia genuína como carente de base, de qualquer forma precisa colocar o livro depois do ano 70. Neste caso a predição de Jesus é vaticinium ex eventu, isto é, só uma suposta profecia de Jesus, que foi colocada em sua boca depois de acontecida a catástrofe. Todavia, também contando com a profecia autêntica, pode-se chegar a uma data posterior a 70, caso se acredite que a profecia foi transmitida em uma forma na qual a recordação do cumprimento recém-acontecido reverbera. Qual o sentido p. ex. da intervenção “quem lê entenda” em 13.14? O sinal para a fuga, ou seja, o “abominável da desolação”, poderia já fazer parte do passado, e a menção é uma lembrança de todas as circunstâncias terríveis. A intenção é que o leitor tenha em mente, emocionado, a profecia com seu cumprimento exato.
A outra alternativa, porém, também é plausível: conforme as notícias mais recentes – era necessário contar com uma média de dois meses para a entrega de uma carta de Jerusalém em Roma, naquela época (Blinzler, p 272s) – a situação “abominável” prevista por Jesus estava tomando forma. Com isto estava dado o sinal da fuga para os irmãos em Jerusalém. A pedra começara a rolar, e o fim do judaísmo centrado no templo estava à mão. O leitor, que vivia neste período carregado de crises, deveria levar em conta que Jesus tinha anunciado tudo isto há 40 anos.
Na questão da data também entra em consideração a pergunta se a palavra sobre a destruição do templo em 13.2 podia ser transmitida de modo genérico e sem comentários, como se o cumprimento tivesse ocorrido recentemente, e o quadro resultante do fim estava diante dos olhos. A idéia é que o texto deveria sugerir isto. Pergunto: Isto é mandatório? Talvez tenhamos uma impressão errônea da ética de tradição de um Marcos que segue com disciplina a sua fonte? (cf 8a).
Pressentimos que as tentativas de ouvir o testemunho do próprio livro continuarão, e provavelmente jamais chegarão a conclusões indubitáveis. Uma visão panorâmica sobre as respostas mais recentes mostra que Wikenhauser, Schmid, G. Haufe, Schweizer, Grässer, Lohse e Riesner datam o livro antes de 70, Kümmel deixa a questão em aberto e Grundmann, Pesch, Gnilka e Schmithals se decidem por uma época depois de 70.

b. A voz da tradição
De acordo com a observação de Papias, o livro não pode ter sido escrito antes do ano 64, porque – até onde se pode ver – a morte de Pedro é pressuposta. Marcos deve ter começado logo seu trabalho, pois exatamente a morte do apóstolo lhe serviu de motivação. Por outro lado, motivação, decisão, pesquisa e execução não devem ser concentrados em poucos meses. Pelo meu entendimento de 13.14 (cf comentário) eu dato a fase final por volta de 67-68.

A estrutura do livro

a. A divisão geográfica em três partes
Pelo visto havia um fio condutor para as histórias de Jesus, originário de Jerusalém, que p. ex. também Pedro levou para o trabalho missionário. Este esboço muito simples, que p. ex. não leva em consideração que Jesus esteve várias vezes em Jerusalém, foi seguido também por Marcos:
Batismo, pregação e curas na Galiléia e nas regiões adjacentes At 10.36-38; Mc 1–9
Pregação na Judéia e em Jerusalém At 10.39a; Mc 10–13
Paixão, morte e ressurreição At 10.39b,40; Mc 14–16
b. A divisão cristológica em duas partes
Todos os expositores perceberam que este evangelho é dividido ao meio por um corte profundo. Estas duas partes se sobrepõem à divisão anterior em três partes. O corte em questão é a confissão de Pedro, que faz com que a 1ª parte vá até 8.26 e a 2ª comece em 8.27. A partir de algumas indicações do livro, queremos mostrar que se trata de um ponto de transição importante em vários sentidos.
Em primeiro lugar, percebe-se uma mudança geográfica. Os movimentos dispersivos do Senhor alcançaram seu ponto mais setentrional. Daqui em diante, seu caminho o conduz claramente para o sul, para Jerusalém. Ao mesmo tempo, a narrativa muda o enfoque dos milagres de Jesus para a instrução dos discípulos. A 1ª parte tinha quase a metade ocupada com milagre após milagre; a 2ª parte só registra três atos de poder, mas relatados do ponto de vista do ensino (9.14-29; 10.46-51 e 11.12-14,20-25). Em vez disto, a instrução dos discípulos passa para o primeiro plano (8.31–9.1; 9.9-13,28,29,30-32,33-50; 10.10-12,13-16, 23-31,35-45; 11.20-26; 13.1-37). Até ali, com exceção do cap 4, só se falou do ensino sem mencionar o conteúdo. Agora isto entra no lugar dos muitos milagres que Jesus fez: o grande milagre, superior a qualquer outro, que é ele mesmo.
O segredo messiânico é desvendado gradativamente. A mudança já se vê em que, exceto na introdução do livro em 1.1, só a partir de agora aparece o título “Cristo” (8.29; 9.41; 12.35; 13.21; 14.61; 15.32). A este se juntam outros títulos com o mesmo sentido. Na 1ª parte, o mistério da pessoa de Jesus já deixava todo mundo curioso (1.22,27; 3.21,22,30; 4.41; 6.2,14s; 8.11), mas Jesus retinha a resposta. A voz do céu o identificou, mas só dirigindo-se diretamente a ele (1.11: “Tu”, contra 9.7: “Este”). Os demônios o conhecem, mas recebem a ordem de guardar silêncio (1.25,34; 3.12; 5.6-8). Milagres poderosos deixam desconfiar quem ele é, mas os presentes recebem a ordem de silêncio como os demônios (5.43; 1.44a; 7.36; 8.26). É importante que se diga que eles não deviam silenciar sobre os milagres, pois estes eram realizados totalmente em público (1.33s; 2.10; 3.3; 5.30), mas sobre sua identidade, que certos milagres esboçavam. Sendo assim, o povo imaginava: ele é um blasfemador (2.7), um lunático (3.21), um possesso (3.22,30), um profeta (6.14,15), etc. Os discípulos também não entendiam (6.52, 8.17s). A 2ª parte, contudo, traz um quadro diferente. Em primeiro lugar, Jesus é confessado corretamente como Cristo pelo grupo dos discípulos (8.29; cf 9.7), depois pelos peregrinos (10.47-49), na entrada triunfal (11.9,10), diante do Sinédrio (14.61s), de Pilatos (15.2) e, finalmente, perante todo o Israel (15.9,12,26,32,39). Com a aproximação da cruz, a confissão se torna cada vez mais franca; depois da morte, bem aberta. A esta altura os mal-entendidos sobre a qualidade do seu messianismo estão fora de questão.
O esclarecimento do mistério messiânico, portanto, anda em paralelo com a formação do mistério da paixão. A 1ª parte já indicou veladamente o sofrimento de Cristo (2.7,20; 3.6 e as parábolas). A partir de 8.31 “ele expunha isto claramente” (v 32), como em 8.31; 9.12,31; 10.33s,45; 12.8; 14.21,22-24,41. O mistério da paixão está ligado principalmente ao título de Filho do Homem. Das catorze passagens com este título, doze se encontram na 2ª parte. O mistério messiânico é substituído pelo mistério do Filho do Homem. Por esta razão, apesar de o confessarem como Messias, os discípulos continuam sem entender. Eles se parecem com o cego curado parcialmente em 8.24s, que já pode ver, mas não com precisão. Pedro ameaça (8.32b) e nega (14.30) este Messias, Judas o entrega (14.18), todos fogem (14.27) e o abandonam (14.50), de modo que ele fica totalmente só no sofrimento.
Assim como o mistério messiânico da 1ª parte é desvendado na 2ª, o mistério do Filho do Homem é revelado na ressurreição. Isto o Senhor anunciou em 9.9. Em 16.7, a nova comunidade do ressurreto se forma. O comandante ao pé da cruz é testemunha (15.39).

 Traços característicos da mensagem do livro

a. Nota prévia: teologia marquínica?
Quase todos os comentadores mais recentes sentem-se obrigados a pesquisar a questão da teologia própria de Marcos. Todavia, é preciso tomar consciência da situação do evangelista. Ela é totalmente diferente da de Paulo ao redigir a carta a uma igreja. O missivista apostólico fora provocado a, de certo modo, pregar por carta, aconselhar por carta, mas o evangelista tinha tradição a transmitir. Certamente ele o fez com fé no coração e perfil teológico. Sua tarefa lhe permitia ter sua própria teologia, mas não apresentá-la livremente. Sua prioridade não era proclamar e admoestar, mas preparar as condições para que isto pudesse ser feito. Ele não podia ceder ao desejo de fazer acréscimos pessoais nem de atender às necessidades dos destinatários.
Um exemplo: A igreja em Roma naquela época vivia entre perseguições. Ela tinha martírios atrás de si e à sua frente. Mas não foi por isso que Marcos deu tanto destaque à paixão em seu livro. Ele não poderia ter trazido outra tradição de Jesus a alguma igreja que vivesse sem ser importunada.
A ligação com a situação do autor ou dos destinatários, portanto, não é tão estreita em um evangelho como em uma pregação ou carta. O evangelista tinha de passar ao largo de muitas coisas para confrontar a cristandade com suas bases – narrando-lhe a tradição oficial. É sabido que as narrativas, em princípio, não contam com a existência do ouvinte e o desafio do momento. Elas não são apelos diretos, mesmo que também tragam ao ouvinte um leque de possibilidades.
Temos de nos libertar da ideia de que Marcos se dirigiu aos seus leitores como um pastor ao pregar – e com liberdade de escolher o texto. O evangelho de Marcos não é exatamente um objeto adequado para estabelecer a teologia pessoal do seu autor. Nas pesquisas recentes sua participação é bastante superestimada e ampliada, numa ou noutra direção. A situação um pouco diferente de Mateus e Lucas é indicada no item 3.
Portanto, contentamo-nos e conformamo-nos com os “traços característicos” do livro, sem levantar afirmações sobre que relação cada um deles tem com a teologia pessoal do autor.
b. As boas novas de libertação
Todos os evangelistas são unânimes em que os acontecimentos que eles relatam giram do começo até o fim em torno do “Reino de Deus”, que vem libertar a criação. Eles testemunham um movimento de libertação. A promessa de que Deus volta a ser rei permeia toda a Bíblia. Marcos, porém, ancora seu livro com firmeza em uma passagem específica da Bíblia. Ele dá a este evento do Reino de Deus o título “evangelho”. A relação desta expressão com o Livro da Consolação de Isaías (a partir do cap 40) será mostrada em 1.14,15. Logo no primeiro versículo ele coloca tudo sob a gloriosa palavra: “boas novas” (evangelho = boas novas).
No início da atividade pública de Jesus em 1.14,15, “evangelho” aparece logo duas vezes. Porém, ele também perpassa aquela metade do livro impregnada do tema da paixão (8.35; 10.29; 13.10; 14.9; cf 16.15). A estas oito passagens correspondem só quatro em Mateus; em Lucas falta o substantivo destacado, em João também o verbo relacionado.
c. Um livro de Jesus
Logo no primeiro versículo, Marcos vincula estas boas notícias a um nome próprio, uma pessoa com a qual o evangelho se confunde completamente: “Evangelho de Jesus Cristo”. Isto se destaca novamente do estilo de Mateus. Este liga “evangelho” com uma realidade: “Evangelho do Reino” (4.23; 9.35; 24.14; 26.13 é exceção). Podemos simplificar a diferença entre Mateus e Marcos nestes termos: Mateus traz um “livro sobre Isto”, Marcos um “livro sobre Ele”. O evangelho de Marcos é permeado em toda a sua extensão pela questão da identidade de Jesus: Quem é Jesus (cf 8.29).
Surgem expressões que usam o verbo ser, uma após outra: “Tu és meu Filho amado!” diz a voz do céu, primeiro a ele e depois aos três confidentes (1.11; 9.7). “Quem é este que até o vento e o mar lhe obedecem?” perguntam seus discípulos (4.41). “Não é este o carpinteiro, filho de Maria?” acham seus conterrâneos (6.3). Herodes pensa: Este é o Batista, que ressuscitou. Outros: Ele é Elias, que voltou. Ainda outros: É um profeta (6.14s, 8.28). Os demônios confessam, rangendo os dentes: “Tu és o Santo de Deus” ou “Filho de Deus” (1.24; 3.11; 5.7). Seus parentes dizem: “Está fora de si” (3.21), os rabinos: “Ele está possesso” (3.22,30). Pedro confessa: “Tu és o [Messias] Cristo” (8.29). Para Bartimeu e os peregrinos que vão à festa ele é o “Filho de Davi” (10.47; 11.9s; cf 12.35). Até Judas o identifica, à sua maneira: “É esse!” (14.44), enquanto Pedro, para surpresa geral, cai fora e banca o desinformado: “Não conheço esse homem” (14.71). Caifás pergunta oficialmente: “És tu o Cristo?”, e Pilatos: “És tu o rei dos judeus?” (14.61 e 15.2), e recebem a resposta: “Eu o sou”, “Tu o dizes!” Pilatos repete a sua frase sempre de novo, verbalmente e por escrito: ele é “o rei dos judeus” (15.9,12,26), e seus soldados o imitam: “Salve, rei dos judeus” (15.18). Até os membros do conselho superior dizem: “Desça agora da cruz o Cristo, o rei de Israel!” (15.32). Contudo, ele fica lá e morre. Então o comandante ao pé da cruz confessa: “Verdadeiramente, este homem era o Filho de Deus!” (15.39). Na manhã da Páscoa os mensageiros celestiais dizem: “Ele ressuscitou” (16.6).
O que é decisivo é que este livro sobre “Quem é Jesus?” foi escrito para uma igreja antiga (cf 5e). O fato é que não é evidente que Jesus continua sendo Jesus para cristãos comprovados. Como nos são familiares os Jesus fabricados, distorcidos ou nebulosos! Os discípulos precisam, sempre de novo, hoje como antigamente, uma refocalização da sua fé. É este serviço que a tradição de Jesus lhes presta, a começar com este “evangelho de Jesus Cristo” segundo Marcos.
Uma igreja que negligencia a recordação do Jesus terreno, em breve também não terá mais o Cristo verdadeiro de hoje, que é o mesmo ontem e para sempre. Um espírito que não recorda o Cristo de ontem não é um Espírito Santo. Também nisto reside o verdadeiro impulso para a transmissão da tradição de Jesus entre os primeiros cristãos, e para sua conservação definitiva e quádrupla no Novo Testamento.
d. Riqueza de nomes
A resposta à pergunta pela identidade de Jesus é uma relação considerável de títulos. Ele é o Filho do Homem, o Filho de Deus, o Messias ou Rei, o Filho de Davi, o Senhor, o Santo de Deus, o Profeta e Mestre. De certos textos também se pode concluir que ele é o Mensageiro das Boas Novas, o Servo de Deus, o Pastor, o Noivo e o Valente.
Não é plausível que Jesus tenha viajado por toda a região com as maiores aspirações, mas sem títulos apropriados, como quer uma escola de exegese. Todos os títulos teriam sido formados mais tarde pela igreja. Entretanto, se sua entrada em cena causou perturbação e reflexão – e isto certamente foi o caso – então seus contemporâneos devem ter adotado nomes que o identificassem. Ele mesmo, que até a morte tinha plena certeza da sua missão, não deixou esta missão sem sentido e conteúdo para si e as outras pessoas, mas a definiu. Para isso serviam os nomes da esperança de salvação judaica, especialmente do conjunto de esperança do Antigo Testamento. Como toda profecia é fragmentária (1Co 13.9), todos os nomes sofriam uma transformação profunda assim que eram aplicados a Jesus. Mas Jesus não veio para inventar novos vocábulos.
Entre os nomes de Jesus se destacam “Filho do Homem” e “Messias”, e “Filho de Deus” tem uma função diretiva para todo o livro. Todavia, seria errado isolar um destes títulos e inflar a partir dele uma teologia do Filho do Homem ou do Filho de Deus e, quem sabe, até encontrar diferenças entre eles. Pelo contrário, todos formam juntos um único tecido, que em conjunto testifica o mistério da pessoa de Jesus. Aqui transparece o pensamento de que o sentido do nome espelha o conteúdo da pessoa. Quanto mais títulos, maior a glória. Só os deuses de povos primitivos podiam ficar sem nome; o Deus verdadeiro tem muitos nomes.
O fato de os três nomes mais significativos de Jesus – Filho de Deus, Filho do Homem e Messias – receberem destaque em conjunto durante a paixão de Jesus mostra quão pouco eles concorrem entre si. Na cruz, Jesus finalmente é plenamente o Filho (15.39), mas também o Messias (15.26) e, não por último, o Filho do Homem (8.31). Com isto estamos diante da resposta que realmente importa quanto ao significado destes nomes e de quem é este Jesus. Na cruz tudo fica evidente.
e. Um livro da paixão
A partir do século II, surgiram na igreja antiga numerosos “processos de mártires”, que relatavam com reverência o fim dos que tinham morrido por sua fé: sua prisão, interrogatório, tortura e morte. Estas descrições eram usadas para a edificação dos crentes no culto e também eram chamadas de passiones (sofrimentos). Será que nosso evangelho é o “processo de mártir” de Jesus?
Para um leitor desavisado, a impressão poderia ser esta. Ele entra em cena de repente, sem que se diga uma só palavra sobre sua infância, juventude e vida adulta. Já no começo do cap 2 aparece a acusação de blasfêmia, cuja pena é a morte (2.7). No começo do cap 3 sua morte já está decidida (3.6). Na seqüência, um grupo após outro o condena: os parentes (3.21), os teólogos (3.22), o povo (4.12), os gentios (5.17), a cidade natal (6.3), o rei (6.14ss) e os religiosos (7.5). O anúncio da própria morte de Jesus ocupa neste livro a posição central como nenhum outro assunto (8.31; 9.31; 10.33s). Nisto chama a atenção que Jesus usa de três a seis verbos para definir seu sofrimento, enquanto que para a ressurreição ele só usa um. Por último, os dias finais em Jerusalém ocupam um espaço superdimensionado (a partir do cap 11), mais ou menos um terço do livro. A ressurreição é descrita em poucos versículos (16.1-8).
É evidente que Marcos não tinha a intenção de dar o mesmo peso aos diversos aspectos da vida de Jesus. Seu interesse primordial era sua morte, porque ali ficou demonstrado definitivamente – sem contestação por toda a eternidade – quem é Jesus e como é Deus. Ali o segredo da sua pessoa foi revelado, bem como a condição para todos os seus títulos. Em sentido profundo ele já era antes da sua cruz, e continua depois da cruz, “o crucificado” (cf 1Co 2.2) – o Filho de Deus crucificado, o Filho do Homem crucificado e o Messias crucificado. Por isso a famosa conclusão de Martin Kähler em 1892, de que os evangelhos são histórias da paixão com uma introdução mais detalhada, aplica-se especialmente ao evangelho de Marcos.
Mesmo assim, permanece uma diferença essencial com os processos de mártires da igreja antiga. Ela não consiste somente no tom messiânico do relato da crucificação, também não na história da ressurreição, mas exatamente nesta “introdução detalhada”. Introduções não são escritas à toa, antes têm uma tarefa essencial. Elas conduzem o leitor até o ponto de onde ele tem a visão pretendida pelo autor. Em nosso caso se trata de ver a morte do Senhor do ângulo certo, com todo seu alcance e profundidade, com a diferença absoluta de todos os martírios do mundo. Na cruz morreu, para o leitor atento do evangelho de Marcos, não uma folha em branco, não um religioso anônimo, mas o portador das boas notícias de que fala o Livro da Consolação de Isaías, autenticado por palavras e ações. Ele morreu – como se pode ver nos milagres – para nos libertar em nossa existência de corpo, alma e espírito, de modo que sua morte se torna praticamente o cerne da mensagem de boas notícias. “Evangelho” é, a partir de agora, acima de tudo a morte, o sepultamento, a ressurreição e a aparição de Jesus (1Co 15.3-5). E para concluir: Jesus não morreu pela mão de romanos ou judeus, mas o próprio Deus o expôs para que fosse julgado em lugar do mundo todo.
f. Um livro dos discípulos
Uma segunda ênfase se nos apresenta, que, porém, nem por um momento suplanta o tema da paixão, antes o faz sobressair ainda mais. Marcos, em comparação com os outros evangelhos, mostra, com lente de aumento, a relação de Jesus com os discípulos.
Ele coloca a vocação dos discípulos logo no começo da atuação pública de Jesus (1.16-20), como primeiro ato. Dali em diante eles estão quase sempre presentes. Marcos, no entanto, não fala “dos discípulos”, como Mateus e Lucas o fazem geralmente, mas “dos seus discípulos”, e isto até o penúltimo versículo (16.7). Duas vezes ele também diz com destaque: ele “com os doze” (11.11, 14.17), cinco vezes “ele e seus discípulos”, “ele com os seus discípulos” (2.15; 3.7; 8.10,27; 14.14). Quando Jesus quer ficar sozinho, isto é registrado como algo que chamava a atenção. O fato de, no cap 15, ele ter de ficar sozinho, sem os seus discípulos, aparece como uma catástrofe. Portanto, “Jesus e seus discípulos”: este é o quadro que Marcos quer que seus leitores guardem na lembrança. Sem os discípulos dele, não se pode ter o Senhor. O que isto quer dizer?
Chegamos perto da resposta quando notamos que Marcos, no âmbito do grupo maior de discípulos, concentra a atenção nos “doze” (onze vezes, contra oito em Mateus e sete em Lucas). Os trechos em que aparecem os doze estão espalhados por sobre o livro como uma rede (Stock). Diferente do chamado para pregar (veja abaixo), durante o tempo em que Jesus estava com eles o outro motivo de vocação era mais importante para eles: “Para estarem com ele” (3.14, só em Marcos). Eles deviam viver de modo nunca antes visto com Jesus, com o único objetivo de compreender sua identidade. Para isso, Jesus dedicou uma parte considerável do seu tempo e esforço a estas poucas pessoas. Sempre de novo lemos em Marcos que ele os chamou de lado para o treinamento discipular, para que um dia pudessem entrar com força em um debate sobre a sua pessoa. A contraposição em 8.27-30 – os outros/mas vocês – é típica. Só estando com ele em intimidade é que poderiam compreender sua personalidade. Senão, ter-se-iam limitado a um entendimento verbal e intelectual de Jesus, que pode ser adquirido em livros.
É digno de nota que Jesus convocou os doze quando ele já era candidato à morte (3.6!). Estar com ele tinha relação especial, portanto, com seu caminho de sofrimento e a semana da paixão.
Por isso, a convivência com ele se torna tanto mais intensa quanto mais eles se aproximam de Jerusalém (10.32). Cada vez menos ele se ocupa das multidões, dos doentes, possessos ou adversários, cada vez mais só deles. No cap 14, finalmente, fala-se só deles (os doze: v 10,17,20,23; os discípulos no sentido dos doze: v 12,13,14,16,32). Em nenhuma fase ele quer deixá-los, nem por uma hora (14.37).
Entretanto, exatamente no momento para o qual seu relacionamento com Jesus fora planejado e preparado, acontece o rompimento terrível: Jesus morre sozinho. De acordo com 15.40,41, as mulheres representam os doze que estão ausentes. Porém não a ausência pesa contra os discípulos: para sempre a lembrança do grupo deles incluirá que um deles até traiu Jesus, “um dos doze”, como Judas geralmente é chamado. E “todos fugiram”. Uma empregada vincula Pedro mais uma vez com o estar-com-ele (14.67,70). Ele, no entanto, contesta, faz pouco caso. O cap 15, que conta o sofrimento, morte e sepultamento de Jesus, durante 47 versículos não menciona os discípulos nem uma vez. Um silêncio significativo. Ele documenta a ausência daqueles que deveriam estar presentes exatamente ali.
Nossa descrição, porém, ainda está incompleta em um aspecto. Todo o fracasso dos discípulos fora predito por Jesus (3.19; 14.18,27,30,72). Estes anúncios foram duros, mas manifestam uma fidelidade sem limites, que abrange até situações terríveis demais. Ainda que os seus discípulos o recusem totalmente, ele não os rejeita. Paciente ele sofre entre eles e por eles. É nesta hora que sua relação com eles adquire uma força e plenitude que supera tudo, da qual brota um novo estar-com-ele (14.28), na verdade ligado àquele que morreu por eles. De modo que foi a semana da paixão que lhes revelou a identidade dele – contrastando com o pano de fundo da vergonha e culpa deles. Não é de admirar que estes homens testemunhassem mais tarde de modo decisivo que o Senhor foi crucificado por nós.
Com isto chegamos ao segundo motivo do seu chamado: “para pregar” (3.14). O fato de estar com ele e de ele existir para eles não era uma demonstração particular de generosidade. O número doze já os colocava como os novos patriarcas de Israel, o alicerce do povo messiânico renovado e a base da raça humana redimida, que já fora mencionada nos “muitos” de 10.45 e 14.25. Fora para isto que ele os trouxera para si. Por meio deles ele queria estender sua atuação para além do seu contexto e tempo imediato. Eles são o instrumento da sua atuação universal de exaltado, até os confins do mundo habitado.
Por isso eles têm lugar tão destacado no “evangelho de Jesus Cristo”. Onde quer que ele seja anunciado hoje em dia, trata-se do evangelho deles. No Novo Testamento é que ele encontrou sua forma determinante. Este é o contexto de Jesus que o identifica, sua trilha visível, sua caixa de ressonância por excelência. Sempre de novo o poder de Jesus se manifesta a partir deles.
g. Um livro da igreja
Vimos o comissionamento dos doze, que aconteceu uma só vez na história, e, decorrentes dele, muitas outras coisas que são irrepetíveis. Além deste aspecto incomparável, porém, há muitas coisas em que se pode seguir o exemplo deles, em que os doze servem de modelo. Todavia, modelo para quem?
No transcorrer da história da igreja, quem se apossou dos doze foi especialmente a hierarquia eclesiástica. Papas e cardeais se referiam a eles e se diziam sucessores diretos deles. Infelizmente, assim os doze discípulos foram distanciados dos cristãos comuns. Isto quando nenhum outro grupo de discípulos está tão próximo deles como estes doze.
Certamente esta afirmação pode parecer surpreendente. Ela pelo menos não parece óbvia quando nos conscientizamos de que o “cristão comum”, em sua vida exterior, tem pouco em comum com os doze. Diferente deles, ele leva uma vida familiar regular, ligado à casa e ao emprego. Não deveria ele buscar exemplos no círculo maior de seguidores de que Jesus dispunha naquela época nas aldeias e cidades da Palestina? Este círculo mais amplo, que não seguia a Jesus literalmente, pelo menos lhe era submisso e fiel, às vezes até mais do que os doze (p. ex. 15.42-46). Por isso é surpreendente que os primeiros cristãos, ao transmitirem a tradição, cultivaram muito pouco a lembrança destes amigos de Jesus, e deixou que eles em sua maior parte caíssem em esquecimento. Em comparação com seu grande número, são poucos de quem sabemos os nomes, menos ainda de quem se conta uma história completa. Em vez disto, o interesse principal residia no círculo íntimo dos que andavam separados com Jesus. Capítulo após capítulo são eles que ocupam o centro das atenções.
Isto tem um bom motivo. Em outro sentido, muito mais decisivo, são eles que estão mais próximos do crente simples do que aquele círculo mais amplo. Este só tinha contato esporádico com Jesus, enquanto os doze estavam com ele todos os dias e em todos os lugares. Esta é a questão-chave. Foi sobre os cristãos depois da Páscoa que se pronunciou a promessa: Eis que estou com vocês todos os dias, em todos os lugares estou no meio de vocês, tenho contato constante com vocês! Como a comunhão de Jesus conosco não toma a forma de visitas de médico e não está vinculada a certos lugares de romaria, os doze discípulos correspondem muito melhor conosco.
Parece que este é também o conteúdo dos trechos que falam dos doze em Marcos. São eles que fazem com que o livro seja o livro para a igreja, e devem ser interpretados de uma maneira que nos leve a dizer: “É assim comigo!”

Enfim, finalizamos mais um comentário bíblico sobre o Evangelho de Marcos. Que sua pessoa, segue invólucro no cognoscível das Escrituras Sagradas, para livrar-te de todo engano promovido por interpretações “eisegética”, seguida de pressupostos teológicos equivocados, em assuntos que querem dessacralizar a Igreja. Porfiamos por uma verdadeira interpretação “exegética” dos textos Sagrados, para, enfim termos o verdadeiro sentido das palavras que o autor quis expressar.
Paz do Senhor Jesus! Até a próxima postagem.   

Referências Bibliográficas  
Bultmann, R., Die Geschichte der synoptischen Tradition, FRLANT N.F. 12, Göttingen 51961.
Büchsel, Fr., Jesus, Verkündigung und Geschichte, Gütersloh 1947.
Bürgener, K., Die Auferstehung Jesu Christi von den Toten, Der Versuch einer Osterharmonie, Berlin 21971.
Conzelmann, H., Grundriss der Theologie des Neuen Testaments, EEth 2, München 1967.
Conzelmann, H., Theologie als Schriftauslegung, Aufsätze zum Neuen Testament, BevTH 65, München 1974.
Cullmann, O., Die Christologie des Neuen Testaments, Tübingen 21958.
Cullmann, O., Heil als Geschichte, Heilsgeschichtliche Existenz im Neuen Testament, Tübingen 1965.

Profº Euler Lopes 

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

O Evangelho de Marcos

Lugar de escrita e primeiros leitores

a. A tradição
O livro não menciona diretamente nenhum lugar de composição, mas já ouvimos que a tradição quanto a autor e destinatários aponta inconteste para Roma. Só uma voz tardia e isolada propõe Alexandria no Egito. Supunha-se uma atuação de Marcos no Egito (cf 2e). Disto Crisóstomo, por volta de 390, parece ter concluído inadvertidamente que Marcos também compôs ali seu evangelho. Portanto, ficamos com Roma, já que vimos que o testemunho interno do livro não se opõe a isto (cf 2d).

b. Suposições mais recentes
Na medida em que a pesquisa atual não segue a tradição, ela deixa esta questão em aberto (Bornkamm) ou tende a imaginar alguma cidade do Oriente do Império como lugar de escrita. (Kümmerl (p 55) acha que a composição em uma cidade “do Oriente é muito provável”. Schmithals (p 61): “… antes no Oriente”. Schreiber se decide pela Síria. Pontos de referência concretos para estas afirmações inexistem. Marxsen, um célebre pesquisador de Marcos, arriscou-se bastante nesta questão em 1959 e sugeriu a redação na Galiléia, sem, porém, angariar apoio. Que sentido, então, teriam esclarecimentos como o de 7.3s? À redação no contexto aramaico já se opõe a tradução de termos para o grego ou até para o latim. De qualquer forma já é estranho que o registro da tradição de Jesus se mostrasse necessária primeiro na Palestina. Com certeza ali as lembranças pessoais de Jesus eram mais intensas, e a tradição oral bem mais desenvolvida do que na distante Roma pagã.
Portanto, tudo favorece a tradição antiga. “Não há nenhum argumento sólido contra a tradição que diz que o evangelho foi escrito em Roma”, dizia Harnack já no começo do século. Pesch descobre, duas gerações de pesquisadores depois: “Não há nada contra a origem romana do evangelho de Marcos”.

c. A situação geral na Roma do século I
Quando o imperador Augusto morreu no começo do século (ano 14), ele tinha deixado Roma esplêndida. Ele “embelezou tanto a capital, que podia realmente gabar-se de ter encontrado uma cidade de barro e feito dela uma cidade de mármore”, relata um historiador romano.
A cidade, de um milhão de habitantes, hospedava um misto colorido de povos, línguas, culturas e religiões. O empurra-empurra nas ruas era tanto que só se permitia o tráfego de carroças à noite. O porto de Roma, Óstia, tornou-se o centro do comércio mundial. O panorama da cidade estava semeado de construções públicas de primeira. As casas particulares não ficavam para trás. Nas casas de banhos dos patrícios, a água corria de canos de prata para banheiras de mármore, espelhos de metal enfeitavam as paredes, instalações de ar quente aqueciam o ambiente. As paredes das residências estavam cobertas de tapeçarias caras, os assoalhos de mosaicos, os tetos de lambris. O desperdício nos banquetes praticamente não tinha limites. Não faz sentido nem mesmo começar a alistar o que havia de pratos exóticos. Providenciava-se música ao vivo para as refeições, e serenatas. Havia vezes em que flores choviam do teto, outras em que dançarinas se apresentavam.
É claro que tudo isto tinha seu lado escuro: as favelas dos pobres, sem os quais esta civilização não poderia existir, e os navios, impulsionados por escravos cheios de desespero e ódio, que diariamente reabasteciam os portos de produtos. O retrato em cores berrantes da derrocada moral do século I temos graças ao escritor romano Tácito: crise econômica, corrupção, anarquia total, apodrecimento da sociedade e um clima geral de decadência. Todos conhecemos a expressão de perplexidade: “Isto aqui parece a Roma antiga!”
A ética do trabalho estava ausente quase de todo. Milhares viviam de subsídios do Estado. Durante o dia matavam o tempo. O ponto alto da sua existência triste era a vida noturna. Iam para orgias com a intenção de se embebedarem. O resultado geralmente era um carnaval absurdo pelas ruas noturnas, farras em bordéis, cenas de ciúmes, brigas e ressacas. Assim Roma se encaminhava inconscientemente para o dia do juízo de Deus. Contra este pano de fundo pode-se ler p. ex. Rm 13.11-14: “Digo isto a vós outros que conheceis o tempo: já é hora de vos despertardes do sono; porque a nossa salvação está, agora, mais perto do quando no princípio cremos. Vai alta a noite, e vem chegando o dia. Deixemos, pois, as obras das trevas e revistamo-nos das armas da luz. Andemos dignamente, como em pleno dia, não em orgias e bebedices, não em impudicícias e dissoluções, não em contendas e ciúmes; mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo.” Com uma força de irradiação impressionante, como um sol de graça, verdade e justiça, Cristo tinha nascido no horizonte destas pessoas. Principalmente para esta igreja é que Marcos também escreve.

d. A comunidade judaica em Roma
Tratamos da comunidade judaica porque ela, como em todo o Império, faz parte do contexto histórico anterior à igreja.
Na Bíblia lemos já em At 2.10 que havia judeus morando em Roma. A informação mais antiga sobre vida judaica na capital remonta ao ano 139 a.C. Calcula-se que o número de judeus no início do século I chegava a 40.000; mais tarde Roma chegou a ter mais judeus do que Jerusalém. Há menção de pelo menos treze sinagogas na Roma antiga. Todas cultivavam laços estreitos com a pátria. Quantias consideráveis fluíam para a manutenção do templo amado em Jerusalém.
Como foi que uma comunidade judaica tão grande se formou em Roma? Em primeiro lugar, muitos judeus tinham sido levados como escravos de guerra para lá. Com frequência eram libertos em pouco tempo, porque insistiam teimosamente em guardar o sábado. Ou sua liberdade era comprada pelos correligionários. Muitos permaneceram em Roma. Outros eram levados por sua competência empresarial para este centro comercial de primeira grandeza, e ainda outros por seu fervor missionário. Em Mt 23.15 Jesus lhes concede: “Rodeais o mar e a terra para fazer um prosélito”. Por último pesava a favor dos judeus seu amor pelas crianças, promovido pela lei de Moisés. O abandono de crianças, a famosa chaga da Antiguidade, entre eles era malvisto.
Quando Herodes o Grande provou ser um apoio confiável dos interesses romanos no Oriente do Império, a influência da comunidade judaica junto à corte cresceu. Disto resultaram alguns belos privilégios: os judeus podiam guardar seu sábado, eram isentos do serviço militar e gozavam de liberdades de reunião especiais. Suas relações com Roma em certas épocas eram tão boas que em Jo 19.12 eles puderam ameaçar Pilatos: “Se soltas a este, não és amigo de César”.
O movimento nascente de cristãos tirou proveito desta generosidade para com os judeus, pois para os de fora eles não passavam de uma questão judaica interna. Por isso a igreja pôde instalar-se também em Roma, numa época em que as autoridades agiam com rigor contra a introdução de novas religiões.
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e. A igreja em Roma
Nossa definição de que o evangelho de Marcos era dirigido aos cristãos romanos não deve ser muito estreita. Certamente também a Itália como província circundante estava em vista, talvez todos os cristãos gentios do Ocidente. Mesmo assim, o centro das atenções era a capital.
Hengel (Geschichtsschreibung, p 91) vê motivos para imaginar o início do evangelho em Roma entre os anos 37 e 41. Judeus convertidos em Jerusalém vieram para a capital e desenvolveram seu trabalho missionário entre seus conterrâneos. Uma informação um pouco mais segura temos do escritor romano Suetônio. Ele conta de tumultos frequentes entre os judeus na época do imperador Cláudio (41-54), incitados por um tal de “Chrestos”, o que pode ser uma distorção de “Cristo”. Os romanos podem ter confundido o nome “Cristo”, incomum para os seus ouvidos, com o nome próprio Chrestos, bastante frequente entre eles. Nos debates internos entre judeus e cristãos a discussão sobre Cristo deve ter sido tão acalorada e decisiva, que os de fora foram levados a crer que um homem com este nome estava entre eles. Estes acontecimentos levaram à expulsão dos judeus inquietos, parece que em especial dos judeus cristãos (At 18.2), no ano 49. Entretanto, como At 28.15 pressupõe, eles logo puderam voltar, contudo desenvolvendo-se separados da sinagoga. Os cristãos ainda não era suspeitos na corte, pois Paulo pôde apelar com otimismo para o imperador no ano 55, esperando dele um processo justo (At 25.11; 28.30). No ano 60 ele parece ter sido liberto.
Depois do martírio do irmão do Senhor, Tiago, no ano 62 em Jerusalém, a primeira igreja começa a abandonar a cidade passo a passo. Em consequência disto, Pedro chega a Roma, “Babilônia”, por volta do ano 63, onde Marcos é seu auxiliar (1Pe 5.13). O período seguinte o aproximou também mais uma vez bastante de Paulo. A 1ª carta de Clemente (escrita nos anos 90), registra o martírio conjunto dos dois apóstolos em Roma. Com bastante certeza, a morte deles está ligada aos acontecimentos que sucederam ao incêndio da capital no ano 64, pois de outra perseguição naqueles anos não se tem notícia. O imperador Nero foi acusado de ser o responsável pela catástrofe, e transferiu esta culpa para os cristãos. Ele conseguiu desviar a ira do povo para esta religião nova e ainda estranha. Tácito e 1Clemente narram como mulheres cristãs eram jogadas na arena para serem pisoteadas por touros selvagens, como as vítimas eram mortas por cães raivosos e incendiadas em fogueiras para diversão do povo nos parques do monte Vaticano.
Como os judeus saíram ilesos, a separação dos dois grupos nesta ocasião já deve ter sido de domínio público. Para isto podem ter contribuído outros fatores. Antes de tudo, havia o interesse e esforço dos judeus de fazer com que estes cristãos não fossem mais considerados iguais a eles. Além disso, parece que entre os cristãos se manifestaram tendências radicais, senão Paulo não teria insistido tanto, em sua carta escrita mais ou menos no ano 57, na lealdade para com as autoridades e no pagamento dos impostos (Rm 13.1-7). Se a carta aos filipenses provém do cativeiro em Roma, então o evangelho já tinha penetrado há muito nos círculos imperiais (Fp 4.22), de modo que estes tinham informações de primeira mão de que os cristãos eram um movimento à parte.
Pressupondo que muitos detalhes de notícias posteriores já podiam ser delineados em anos anteriores, podemos caracterizar a igreja em Roma na época de Marcos com seis pontos:
1. Ela era uma das igrejas mais antigas e ricas em tradições do Império, onde o evangelho era antes algo costumeiro do que desconhecido;
2. Tácito confirma a força numérica da igreja. Além da imigração que uma capital sempre experimenta, fazia-se muito trabalho missionário e conseguiam-se adeptos em famílias influentes, tanto que mais tarde Inácio temia que os irmãos em Roma poderiam impedir o martírio que ele desejava;
3. Os cristãos em Roma tinham adquirido uma posição de preeminência entre as igrejas do Império. Paulo batera à porta, obsequioso (Rm 1.8; 16.16), Pedro tinha atuado ali (1Pe 5.13), cartas importantes eram dirigidas a eles: as de Paulo, aos Hebreus e de Inácio, mais tarde. Por volta de 96, o bispo Clemente de Roma procurou, com responsabilidade fraternal, apaziguar com uma carta o conflito em Corinto;
4. A característica da igreja era gentia. Paulo já teve de advertir a pretensa superioridade diante da minoria judaica (Rm 11.17-24; cap 14 e 15);
5. Em Roma vivia uma comunidade de mártires, experiente no sofrimento. A deportação sob Cláudio e especialmente as vítimas recentes do imperador Nero ainda estavam vivas na memória. A Guerra Judaica estava em pleno andamento. O ressentimento dos romanos com os judeus em todo o Império não poderia ficar sem efeitos para a causa cristã. Novas nuvens escuras surgiam no horizonte;
6. Com o desaparecimento das autoridades originais e das primeiras testemunhas, houve uma mudança de gerações. Em vista disto, Marcos interveio e garantiu à igreja a tradição de Jesus. Nós o incluímos entre os “homens da parte de Deus”, que “falaram”, “movidos pelo Espírito Santo” (2Pe 1.21).
Paz! Até a próxima postagem.


Referências Bibliográficas; COMENTÁRIO ESPERANÇA.  Autor  Adolf  Pohl Editora Evangélica Esperança

Prof°  Euler lopes

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

O Evangelho de Marcos

Esse esclarecimento é para todos os estudantes de nosso seminário teológico, e para pessoas que desejam ter conhecimento do Evangelho de Jesus Cristo segundo escreveu João Marcos. É muito difícil para nós professores, explicar detalhadamente todos os pontos teológicos em poucas horas, haja vista, a necessidade  que existe entre os nossos alunos, de não ter material disponível em suas mãos. Por isso, compartilho com vocês alguns apêndices do Evangelho de Marcos para podermos elucidar cada questão que envolve o livro.

O Evangelho Segundo Marcos 

Considerado por alguns estudiosos como o primeiro evangelho a ser escrito, não obstante  tenha sido colocado após " Mateus" o Evangelho Segundo Marcos é o mais curto de todos os evangelho, sendo que vinte e cinco por cento de sua narrativa é dedicada a registrar os últimos acontecimentos da vida de Cristo, a comumente chamada" semana da  paixão", e o restante, de forma diferenciada, dedicados aos feitos milagrosos realizados por Aquele que "[...] tudo tem feito esplendidamente bem [...]",Mc. 7. 37.
Marcos é considerado, um dos evangelhos sinóticos.
O termo sinótico vem de duas palavras gregas, cujo significado é “ver conjuntamente”. Dessa maneira, Mateus, Marcos e Lucas tratam basicamente dos mesmos aspectos da vida e ministério de Cristo. Dos evangelhos sinóticos, Marcos é o mais breve. O Evangelho de Marcos é geralmente considerado o primeiro evangelho que foi escrito, diz Darrell Bock. Embora esse fato não tenha um consenso unânime, a maioria dos estudiosos crê que Marcos foi escrito antes dos outros evangelhos. J. Vernon Mc Gee defende a tese de que Marcos foi escrito por volta do ano 63 da era cristã. Sendo, assim, William Barclay o considerava o livro mais importante do mundo, visto que serviu de fonte para os outros evangelhos e é o primeiro relato da vida de Cristo que a humanidade conheceu. Dos 661 versículos de Marcos, Mateus reproduz 606. Há apenas 55 versículos de Marcos que não se encontram em Mateus, mas Lucas utiliza 31 destes. O resultado é que há somente 24 versículos de Marcos que não se encontram em Mateus ou Lucas. Isso parece provar que tanto Mateus quanto Lucas usaram  o evangelho de Marcos como fonte.                        

O Título do livro

O manuscrito mais antigo que nos preservou trechos do evangelho de Marcos, o papiro Chester Beatty I (p45), do século III, não ajuda a elucidar a origem do título, pois infelizmente só começa em 4.36. Os próximos manuscritos mais antigos já são as famosas testemunhas principais da Bíblia toda, o Códice do Vaticano (B) e o Códice Sinaítico, do século IV. Nestes, o livro tem o título curtíssimo: “Segundo Marcos”. Eles silenciam sobre o conteúdo e só respondem à pergunta: Quem é a testemunha? Isto os copistas não tardaram a compreender e acrescentaram “Evangelho segundo Marcos”, a partir do próximo século. Os Pais da Igreja já tinham encontrado antes este caminho, em seus escritos. Será que o título mais antigo, “Segundo Marcos”, remonta ao próprio Marcos? Será que já constava do seu original? Uma referência autoral como título soava tão estranha naquela época como hoje em dia. Devemos levar em conta, porém, que todos os evangelhos têm o título nestes termos. Mesmo que Marcos tivesse dado um nome tão estranho à sua obra, será que quatro escritores fariam a mesma coisa? As probabilidades não favorecem esta alternativa. Além disso, na Antiguidade não era costume que o autor desse o nome ao seu livro (L. Koep 674.685; Fouquet-Plümacher 275.282). Este resultava do uso que se fazia da sua obra.
O apresentador de um teatro tinha de anunciar a peça de alguma forma, e principalmente os bibliotecários necessitavam de títulos nas obras para poder classificá-las. Muitas vezes eles os derivavam de termos importantes da introdução. Com livros bíblicos agia-se da mesma forma. O “Apocalipse de João”, p. ex., tem seu título de Ap 1.1; as cartas de Paulo, da indicação de destinatário no início, p. ex. “Aos Romanos” de Rm 1.7. Por último, mais uma circunstância favorece nossa proposição de que as indicações de autor não procedem dos próprios evangelistas. Em cartas, era regra que o autor mencionasse seu nome logo no começo; todavia, nos evangelhos, o contrário parece ser o caso. Em Mateus e Marcos não há o menor indício, em Lucas só o “eu” anônimo do autor em 1.3, e em João só o “ele” do autor no fim, sem menção de nome, em 19.35; cf 20.30s, 21.25. Parece que aqui há coerência. Somente os evangelhos apócrifos do século II acharam necessário atribuir-se o prestígio de terem sido escritos por autoridades dos primórdios do cristianismo. Assim, p. ex., o Evangelho de Pedro, do século II, enche a boca para dizer: “Eu, porém, Simão Pedro”. Em oposição a isto, nossos evangelhos canônicos tinham prestígio desde o começo. Seus responsáveis não precisavam destacar-se, por serem conhecidos na cristandade ainda jovem e visível a todos, e nem podiam, porque quem fala realmente nestes livros era, em sentido específico, o Senhor (cf Hb 2.3). Depois que os tempos do início ficaram para trás, e principalmente quando existiam quatro livros do mesmo tipo lado a lado no século II, a necessidade prática impôs de que se fizesse distinção entre estas quatro testemunhas. Foi então que surgiram as indicações de autoria: “Segundo Mateus”, “Segundo Marcos” etc. Esta informação era fixada com um bilhete na haste de madeira do rolo, o que era prático para quem procurava determinado rolo em uma caixa de madeira ou vaso de barro. Mais tarde, quando a Bíblia passou a ser transmitida em forma de códice, este título curto também pôde ser colocado na margem superior de cada folha, para facilitar a procura de passagens. Na página de capa, por outro lado, os títulos costumavam ser ampliados. De Mc 1.1 foi tirado o termo “evangelho”.
Do Evangelho de Mateus, p. ex., existe a sonora descrição “O Santo Evangelho do Apóstolo Mateus”. 
O título curto desobrigava, a princípio, que se desse um nome a este tipo de literatura, pois isto representava uma dificuldade, já que não havia ponto de referência. Somente a partir de meados do século II passou-se a dizer, como é costume até hoje: Estes são os quatro evangelhos! Desta forma, “evangelho”, além de referir-se ao único Evangelho do qual não podia haver imitações (Gl 1.6s), passou a ser o nome de quatro livros. Sendo assim, o título breve “Segundo Marcos” e sua ampliação “Evangelho segundo Marcos” são oriundos do cuidado cristão da Igreja posterior.

Autoria                                                                              
Determinar de forma precisa a autoria desse evangelho é uma tarefa difícil, uma vez que não há, nenhuma parte dessa obra, uma única afirmação direta acerca de sua autoria. Entretanto, com base na afirmação e líderes eclesiásticos que viveram no período pós-apostólico, como Papias de Hierápolis e Eusébio de Cesaréia, este evangelho é produto das mãos de João Marcos, o mesmo mencionado em Atos dos Apóstolos (12.12, 25; 15.37, 39) e nas epístolas paulinas (Cl. 4.10-11; 2Tm. 4.11; Fl. 24; 1Pe.5.12-13).                 Assim escreveu Papias ( a citação abaixo foi preservada por Eusébio de Cesaréia, em sua obra "Histórias Eclesiástica", III,39,15): Marcos, que realmente se tornou o primeiro interprete de Pedro, escreveu com exatidão, tanto quanto podia lembrar, sobre coisas feitas ou ditas pelo Senhor, embora não em ordem. Pois ele nem ouvira ao Senhor nem fora seu seguidor pessoal, mas em período posterior, conforme eu disse, passara a seguir a Pedro, que costumava adaptar os ensinamentos as necessidades do momento, mas não como se estivesse traçando uma narrativa corrente dos oráculos do Senhor, de tal forma que Marcos não incorreu em equívoco ao escrever certas questões, conforme podia lembrar-se delas. Pois tinha apenas um objetivo em mira, a saber, não deixar de fora coisa alguma das coisas que ouvira e não podia incluir entre elas qualquer declaração falsa.                                                                 
O "Marcos" ao qual  o discípulo de Policarpo - Papias - se refere na citação acima é o filho de uma piedosa mulher de Jerusalém, chamada Maria, cuja casa era utilizada para culto de oração e estudos das Sagradas Escrituras ( At. 12.12). Ele, tanto quanto Lucas, não foram testemunha ocular dos feitos de Jesus, não apercebendo, portanto, em nenhum lugar na lista apostólica (Mt.10.2-4; Mc.3.13-19; Lc.6.12-16; At.1.13). Alguns teólogos dizem: as informações que coletou para a composição desses evangelhos foram provenientes das pregações do apóstolo Pedro durante algumas de suas viagens, porém outros estudiosos vão mais afinco.

O testemunho do livro
Será que havia no livro algum ponto de referência quando foi escolhido o título “Segundo Marcos”, no século II? Em lugar algum há uma indicação de autor; o nome Marcos nem aparece. Incorremos em mal-entendido se concluímos disto que o autor quis ou conseguiu ocultar-se dos seus leitores. Ele deve ter sido bem conhecido deles, ou não lhe teriam dado a tarefa de escrever sua obra, e esta não teria alcançado seu prestígio. Os primeiros cristãos viviam em comunidades que se podiam visualizar. Ninguém conseguiria realizar um trabalho como este em segredo, nem fazê-lo circular secretamente. Além disso não era costume, nem apropriado tendo em vista o conteúdo, inserir o próprio nome em um relato das palavras e ações do Senhor.             
Será que mesmo assim ficaram “impressões digitais”?
Alguns comentadores acham que o evangelho de Marcos contém “impressões digitais” do autor (Th. Zahn, Wohlenberg, Rienecker). Fazem também outra comparação: o famoso pintor Rembrandt gostava de pintar a si mesmo dissimulado em seus quadros. De modo igualmente singular, Marcos deu a entender aos conhecedores: aqui está quem escreveu. Trata-se principalmente de quatro passagens que pertencem ao acervo específico de Marcos. Em 14.51s aparece “um jovem” que, devido às suas vestes finas, está cercado de uma aura abastada e aristocrata. Rienecker escreve sobre isto: “Este acontecimento, em si insignificante, só interessa àquele que o protagonizou, que só pode ter sido o próprio Marcos”. Ele fora testemunha ocular e auricular, e aqui se dá a conhecer como fiador da tradição.Em 14.13 lemos sobre “um homem trazendo um cântaro de água”, que aparentemente sabia de tudo. Ele já esperava pelos dois discípulos, sem mais perguntas os conduz pelo caminho e os leva à casa certa. Em seguida, no versículo 19, alguns manuscritos acrescentam (cf RC): “E outro: Porventura sou eu, Senhor?” Já que a frase anterior fala dos discípulos, este “outro” poderia ser um morador da casa. Isto aponta de novo para o homem do cântaro.Por fim, em 10.17 se registra que “correu um homem ao encontro” de Jesus, para quem Jesus depois olha com carinho. Pensa-se que este moço abastado bem poderia ter sido (o próprio) Marcos. Só ele poderia ter sabido deste olhar de Jesus.
O resumo fica assim: Em Jerusalém havia o filho de uma família conhecida e rica, que não fazia parte dos discípulos de Jesus mas acompanhava os acontecimentos mais íntimos e estava bem informado. Disto se conclui: Os membros da igreja de Jerusalém, que naturalmente conheciam este homem, nestas passagens o teriam reconhecido. Trata-se do João Marcos do livro de Atos, o filho da viúva Maria, que colocou seus bens à disposição primeiro de Jesus e depois da primeira igreja. Estas colocações aparentemente se encaixam muito bem, mas o termo “um” nem sempre é tão significativo. Ele pode ser bem neutro (p. ex. 12.42, 14.3,47). E, mesmo que este jovem ou homem fosse cada vez a mesma pessoa, Marcos no caso, isto ainda não prova que este Marcos escreveu o evangelho. Isto só diz a próxima suposição. Assim, enfileiram-se suposições para atingir o alvo. Em conclusão: o testemunho do livro não leva a uma informação clara. Continuamos com um autor anônimo, cercado de suposições.                                                                          
As fontes de Marcos
A comparação dos primeiros três evangelhos comprova que naquela época as histórias sobre Jesus não eram contadas com palavras próprias, mas seguindo relatos mais antigos.  A observação de Papias credita a Marcos só uma fonte: Pedro! Mas isto certamente é uma simplificação. Como filho da casa da qual os primeiros cristãos entravam e saíam, ele não deve seus conhecimentos a uma só testemunha. De acordo com tudo o que sabemos sobre o primeiro grupo de discípulos, Pedro tinha um papel de liderança antes e depois da Páscoa, mas ele não era a única testemunha. Lucas confirma em seu evangelho (1.1,2): desde o começo havia um número considerável de testemunhas oculares, de relatos por escrito e – podemos completar, em retrospecto – de evangelhos. Uma parte considerável do material de Marcos pode remontar a Pedro ou ter alguma relação com ele, mas não tudo. De fato, o próprio evangelho de Marcos traz indícios de que dispunha de mais subsídios orais e documentos escritos. Veja estas indicações, que todo leitor da Bíblia pode conferir: Marcos menciona 81 vezes o nome “Jesus”, o que dá em média uma referência a cada oito versículos. Bem no meio, porém, entre 6.30 e 8.27, temos 90 versículos em sequência sem uma só menção deste nome; ali só encontramos o pronome pessoal para identificar o Senhor. Isto parece indicar um outro texto-base.O leitor da Bíblia também conhece a expressão típica de Marcos “logo”, “então”, “imediatamente”. Só no primeiro capítulo ela aparece onze vezes, ao todo 43 (em Mateus ela só é usada oito vezes, em Lucas e João só três cada). Olhando com atenção, porém, vê-se que a sua distribuição por capítulos é bem irregular. Na primeira metade do livro, até 8.26, temos 35 casos. Depois a palavra quase que desaparece, para reaparecer em duas histórias (9.15,20,24 e 14.43,45). “Logo”, portanto, não é típico de Marcos em si, mas de uma ou algumas de suas fontes. No capítulo 1, o primeiro discípulo é cinco vezes “Simão”, mas depois ele é sempre, 20 vezes, mencionado por seu cognome “Pedro”. Exceções são 3.16 (os dois juntos) e 14.37 (quando Jesus se dirige a ele).Jesus também não é chamado de maneira uniforme. Na primeira metade, ele só é chamado de “mestre” (oito vezes), depois só mais duas vezes, alternado com quatro usos do termo aramaico correspondente, “rabi”. Dn 7.13 é citado duas vezes, mas de forma diferente. Em 13.26 é “nas nuvens”, em 14.62 “com as nuvens”. Estes exemplos de terminologia não uniforme são fáceis de suplementar (cf Pesch I, p 15ss; II, p 3ss). Existe maneira melhor de explicar estas disparidades do que no evangelho de Lucas: que os evangelhos, inclusive o de Marcos, se baseavam em várias testemunhas! Ao mesmo tempo, estes exemplos mostram como Marcos lidava com suas fontes. Ele poderia tê-las retrabalhado profundamente, dando ao seu livro uma consistência estilística. Lucas fez mais ou menos isto, mais tarde. Pode-se ver isto nos trechos que ele assumiu de Marcos. Ele não deixou quase nenhuma linha sem correção estilística. Marcos, por sua vez, sentia que suas mãos estavam amarradas. Só com muito receio ele interveio aqui e ali. Em razão disto, seu livro não poucas vezes parece tosco em termos linguísticos (veja o ponto 4 a seguir). Sua contribuição pessoal consistiu na seleção e disposição do material, na tradução de palavras aramaicas, no esclarecimento de costumes judaicos (7.3,4), em pequenas explicações e indicações (2.28; 7.11b,19b; 13.14; 14.18), em ampliações com efeito de atualização (10.12) e, principalmente, em condensações (p. ex. 3.7-12). Compare os detalhes dos comentários sobre estes trechos, bem como a nota prévia 1 a 2.18-22.Se Marcos, portanto, entrelaçou várias fontes, será que é possível desfazer estes laços? Será que podemos verificar onde uma fonte termina e começa a outra? Suas fontes podem ser reconstruídas e separadas das contribuições dele? Especialmente em Marcos este empreendimento incorre em muitos fatores de insegurança. Há uma diferença com os evangelhos posteriores. Nestes, naquilo em que Marcos lhes serviu de base, podemos comparar a fonte com o resultado, verificar linha por linha as diferenças e deduzir métodos de trabalho. Esta possibilidade não temos em Marcos. Não é possível deduzir sem margem para dúvidas seu estilo redacional a partir da tradição. Apesar disso, alguns pesquisadores oferecem soluções “perfeitas”, classificam cada expressão, até cada “e” e “ou” neste ou naquele lado. Acham que podem fazer listas de vocábulos “marquínicos”, que usam com desenvoltura. Estes pesquisadores, porém, sabem tanto que temos de desconfiar deles, e é possível que suas conclusões tenham muito pouco a ver com o Marcos histórico.
As tentativas de reconstrução das suas fontes com frequência resultam tão diferentes, que pensamos estar em um contorcionismo literário. Comentadores sensatos sentem que este tipo de pesquisa de Marcos de modo geral está pisando em solo pantanoso. Sempre devemos fazer análises críticas para chegar a uma compreensão das fontes que envolveram o evangelho de Marcos. Para um bom seminarista, a observação do que está sendo estudado, analisado e apresentado por outras fontes, seve de ferramentas para tirar boas conclusões. Paz de Cristo!
Até a próxima postagem.                                                   

Referências Bibliográficas;
 Comentário Esperança de Adolf Pohl. Introdução ao Novo Testamento de Roberto dos Reis (IBAD). Comentário Bíblico. Rio de Janeiro: Editora CPAD. 
Por Que 4 Evangelhos? São Paulo: Editora Vida.
Prof°.; Euler Lopes

   
    


domingo, 19 de janeiro de 2014

Prof. Dr. Vilson Scholz - A Bíblia, Sua Natureza, Função e Finalidade

Enriquecendo-se com a Bíblia.



A bíblia é um tesouro de verdades espirituais a todo o que ler, ouve e pratica a Palavra de Deus. Enriqueça-se através dela, leia-a diariamente e estude-a frequentemente e terás bons resultados.  

1. Gênesis24-2; 47.29-31
O juramento com a mão sob a coxa.
Significava então submissão, obediência irrestrita. Por isso Deus tocou a coxa de Jacó. (Gn. 32.24-32). Realmente, dali para frente Jacó tornou-se um homem de Deus. Até seu nome foi mudado!

2. Gênesis 37.34-Rasgar as vestes
Demonstração de luto, tristeza e lamento. Há 28 casos na Bíblia. Os sacerdotes não podiam fazer isso (Lv 10.6), mas, em Mateus 26.65 o fez, sem razão. Esse ato de rasgar as vestes obedecia a uma série de regras.

3. Juízes5.10-0 cavalgar sobre jumentas brancas Era então costume exclusivo
dos reis, juízes e fidalgos isso explica a passagem em apreço.

4. Juízes 9.45 Semeadura de Sal
Esse ato significava desolação perpétua sobre o local. Castigo perene.

5. 'Rute 3.9- Pôr a aba da capa sobre alguém Significava a proteção. Aqui tratava-se da lei do levirato, conf. Dt 25.5-10, portanto nenhuma indecência havia aqui, como muitos o querem.

6. Salmo 119.83-Um odre na fumaça
Odres são vasilhas feitas de peles para o transporte de líquidos. Eram postas sobre a fumaça para ficarem endurecidas pelo calor e fumaça. Isso também fazia aumentar a resistência e a espessura do couro através do encolhimento. Fala do estado de alma de Davi.

7. Mateus 1.18-Maria desposada com José
Na linguagem do AT, o termo significa noivos, conforme vemos em Dt. 20.7; 22.23-24.
Naqueles tempos, em Israel, o noivado era ato seríssimo. E de fato o é. Os noivos tinham responsabilidade como se fossem casados Em suma: Em Israel, o noivado era o primeiro ato do casamento. Nessa ocasião, o noivo entregava à noiva o contrato de casamento, ou uma moeda inscrita: "Consagrada a mim."

8. Mateus 25.1-13 - Um casamento oriental
As núpcias duravam 7 dias ou mais dias. A união definitiva do casal somente tinha lugar no último dia. Nesse dia, o noivo dirigia-se à casa da noiva  a noite e a conduzia para a sua casa. Às vezes o ato ocorria também de dia. A lua-de-mel durava um ano. (Dt 24.5)
Referências Bíbliográficas. Coletânea de Curiosidades Bíblicas do Pr. Carvalho Júnior.

prof°: Euler lopes

Explicando as Aparentes Contradições na Bíblia.


As pessoas nos perguntam: a bíblia tem contradições? Se tem, ela não é a Palavra de Deus. A bíblia é um livro enigmático que contem expressões idiomáticas em todas as suas páginas, por isso requer que o Espírito nos revele a verdade através de estudos sinceros da palavra para podermos compreende-las e assim solucionar as aparentes discrepâncias. Aí vai algumas delas.

 Quantas gerações foram contadas entre o exílio e Cristo:
quatorze ou treze?
PROBLEMA: Mateus diz que "desde o desterro de Babilônia até Cristo, (são)
catorze" gerações (1:17). Entretanto, ele menciona apenas 13 nomes depois do
exílio. Então, qual é o correto, treze ou quatorze?
SOLUÇÃO: Ambos estão corretos. Jeconias é contado nas duas listas, já que
ele viveu tanto antes como depois do exílio. Portanto, há literalmente 14
nomes na lista "desde o exílio na Babilônia até Cristo", tal como diz Mateus. Há
também literalmente 14 nomes na lista entre Davi e o exílio, tal como afirma
Mateus 1:6-12. Não há erro no texto, absolutamente.

MATEUS 24:34 - Jesus errou quando afirmou que os sinais do tempo do fim
se cumpririam em sua era?
PROBLEMA: Jesus falou de sinais e maravilhas no que diz respeito à sua
segunda vinda. Mas ele disse que "esta geração" não passaria, sem que tudo
isso acontecesse. Isso quis dizer que esses eventos aconteceriam durante a vida
dos que o ouviam?
SOLUÇÃO: Esses eventos (i.e., a Grande Tribulação, o sinal da volta de Cristo
e o fim dos tempos) não ocorreram nos dias de seus ouvintes. Portanto, é
racional entendermos que o seu cumprimento se dará ainda no futuro. Essa
questão requer um exame mais cuidadoso do significado de "geração", quanto
a sentidos diferentes relativamente aos contemporâneos de Jesus.
Primeiro, "geração" em grego (genea) pode significar "raça". Nessa
situação específica, a afirmação de Jesus poderia significar que a raça judia
não passaria até que todas as coisas se cumprissem. Por haver muitas
promessas a Israel, inclusive a da herança eterna da terra da Palestina (Gn 12;
14-15; 17) e do reino Davídico (2 Sm 7), Jesus poderia estar se referindo à
preservação da nação de Israel por Deus, de forma a cumprir com as
promessas feitas a Israel.
De fato, Paulo fala de um futuro da nação de Israel, quando eles serão
restabelecidos nas promessas do pacto de Deus com eles (Rm 11:11-26).
A resposta de Jesus à última pergunta de seus discípulos levava em conta que
haveria um futuro reino para Israel, quando eles perguntaram: "Senhor, será
este o tempo em que restaures o reino a Israel?" Em vez de repreendê-los por
falta de compreensão, Jesus respondeu: "Não vos compete conhecer tempos
ou épocas que o Pai reservou pela sua exclusiva autoridade" (At 1:6-7).
Segundo, "geração" poderia referir-se também a uma geração em seu
sentido usual, de pessoas vivendo no tempo indicado. Nesse caso, a palavra se
referiria às pessoas que estarão vivas quando essas coisas acontecerem no
futuro. Em outras palavras, a geração que estiver viva quando essas coisas
começarem a acontecer (o abominável da desolação [v. 15], a grande
tributação, tal como nunca houve antes [v. 21], o sinal do Filho do Homem no
céu [v. 30] etc.) permanecerá viva até quando esses juízos se completarem.
Portanto, já que comumente se crê que, no fim dos tempos, a tribulação terá a
duração de sete anos (Dn 9:27; cf. Ap 11:2), Jesus estaria dizendo que "esta
geração" que estiver vivendo a tribulação ainda estará viva no seu final.
Sob qualquer hipótese, não há razão alguma para se considerar que
Jesus tivesse feito a afirmação, obviamente falsa, de que o mundo terminaria
dentro do período de vida dos seus contemporâneos.


Através de um exame das Escrituras podemos chegar a uma conclusão. Abíblia não se contradiz.

A Paz do Senhor!

prof°: Euler lopes    Referências Bíbliográficas.   Manual de duvidas e contradições da bíblia deNorman Geisler - Thomas Howe.